domingo, 31 de maio de 2009

Deontologia-botox

Só por causa desta entrevista, em que terá divulgado o que o País que conheço há muito pensa, Marinho Pinto já mereceria ser reconduzido como bastonário da Ordem dos Advogados portugueses. Entretanto, aguarda-se a sua próxima visita a uma nova loja de porcelana.

Surprise!?

MPLA defende eleição directa do Presidente da República no anteprojecto de Constituição.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Sombras de Luanda

Foto de Roberto Ivens

A menos de duzentos metros do restaurante do Deana SPA, cujo nome, «Complexo Gastronómico Bay Side», já merecerá uma estrela no Guia Michelin, há um homem sepultado na sombra de uma árvore. Aparenta ter pouco mais de vinte anos e encontra-se mutilado na perna direita que lhe desaparece logo após a curva do joelho e acaba num toco mal cicatrizado e ainda com vestígios do osso e, também, nos braços picados por diversos golpes, irregulares, nítidos, mas espantosamente secos de sangue, cuja profundidade lhe consome a carne até ao limite de doer a quem a vê. Jaz ali os dias e, quiçá, as noites quase sempre deitado, arrastando-se no sentido da sombra da velha acácia quando ela acede em fazer-lhe companhia e rebolando sobre si mesmo na busca do biombo do tronco quando necessita de maior intimidade. Por todo aquele corpo perdido no empedrado do passeio esburacado da marginal e que parece repousar de uma batalha de que apenas se conhece os despojos, há crostas de uma urgente, embora muda, piedade que o cobrem da cabeça ao pé. Não se lhe percebe o que responde quando questionado, mantendo-se absorto nos mesmos gestos, na dor, na insanidade, ou tudo junto, antes parecendo mover-se num permanente estado de delírio, a remexer nas partes do corpo que lhe faltam ou a revirar a cabeça no sentido dos céus, quantas vezes rindo ou repetindo uma lenga-lenga imperceptível. A primeira vez que o vi, a meio de um jogging de fim-de-semana, lambia freneticamente com o indicador direito o que restaria de uma pequena embalagem de manteiga como as dos aperitivos dos restaurantes e, perante a garrafa de água fresca que lhe serviram, pareceu afogar-se na sofreguidão do longo gole, compulsivamente gesticulado como se ressuscitasse num solo de trompete. Interrogo-me se, do seu palco, conseguirá perceber a audiência que não pode deixar de o ver por ali, eu, os milhares de outras pessoas que lhe passam defronte, a pé ou de carro, os assistentes sociais que desconheço se Luanda possui, o pessoal das inúmeras ONG cujos nomes vejo profusamente pintados nos jipes, os pastores das imensas igrejas que por aqui florescem, os cidadãos cuja sensibilidade não se fica apenas pelas ofensas com quaisquer críticas a Angola, os políticos e governantes que se habituaram a jurar fidelidade aos seus. Receio bem que, tal como Simão Kapiangala, o homem-sombra seja apenas mais um entre os milhares de bastardos que deambulam por Luanda, completamente entregues ao Deus-dará. Com o senão de, neste cantinho do paraíso, Deus raramente dar alguma coisa aos que não farão parte do seu rebanho.

domingo, 24 de maio de 2009

Luzes de Luanda

Defronte da sanita gigante em que está actualmente transformada a baía de Luanda, encontra-se instalado o mais chique SPA de Angola, de seu nome Deana. Mais propriamente, de Ana Paula dos Santos, ex-hospedeira da TAAG e actual empresária, que acumula funções com as de Primeira Dama do país. Um destes dias, por mero acaso, fui assistente de uma sua acção de promoção na marginal, uma «maratona denominada Saúde e Bem-Estar» visando «alertar as pessoas a prestarem mais atenção ao seu estado físico e mental» como noticiaria a imprensa local. Ora o que eu vi foi um grupo de três a quatro dezenas de mulheres, de todas as idades e compleições físicas mas, seguramente, do mesmo estrato social, vestindo trajes aeróbico-desportivos donde sobressaíam t-shirts, toalhas e bonés brancos do SPA, percorrerem o passeio da marginal em pose de gesticulante folia, para espanto dos inúmeros sem-abrigo que por ali mal-acordavam de mais uma noite ao relento. Porventura, por há muito eles próprios terem deixado de prestar atenção ao seu estado físico e mental. À frente do pelotão seguia, de costas, um esfusiante pastor de aeróbica e, logo a seguir, a Primeira Dama herself. A marcha formava um compacto quadrado humano, cujos vértices eram policiados por quatro mal-disfarçados seguranças que seguiam, civilmente, com as camisas libertas por fora das calças, certamente que para assegurar que cada participante continuasse a ter «mais saúde e boa disposição para assumir as tarefas do dia-a-dia». Como complemento securitário, seguiam mais à frente na marginal um polícia de trânsito montado numa moto e uma carrinha onde ia empoleirado um grupo de militares armados. Afinal, tratava-se de guardar as costas militantes da beautiful people do regime, para quem, suspeito, o SPA Deana não passará de uma extensão do palácio presidencial. Entretanto, julgo que será de prestar atenção às próximas promoções de rua deste centro de estética, que promete vir a oferecer ao público de Luanda novos métodos de massagem, bem como a introduzir no mercado novos serviços como o «Power Jump», o «Body Balance», o «Step Dance», o «Aerodance» e o «Hidrobike». Consta que o mais aguardado de todos, numa sondagem entre os párias da marginal, será a «Tatuagem das Sobrancelhas».

Acelerar na recessão

Há quem defenda que, em época de recessão, se deve estimular a economia com medidas expansionistas, do tipo baixar as taxas de juro ou os impostos, a fim de se fomentar o investimento e relançar o produto no médio prazo. Haverá outros, no entanto, que consideram este tipo de medidas anacrónicas e de excessivo academismo e que, pelo contrário, defendem decisões que possibilitem um choque térmico imediato. Soube-se hoje de um exemplo da contribuição angolana para este debate.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

A variante angolana

Um dos estudos pretensamente mais estimulantes nas escolas de gestão por esse mundo fora é o das variáveis que farão parte da «função empresarial», entendida, grosso modo, como as habilitações, mais ou menos inatas, que permitirão que um determinado indivíduo seja bem sucedido nos negócios. Habitualmente, nestas discussões, há um chorrilho de candidatas que saltam logo para a passerelle dos anfiteatros teóricos. Perspicácia, intuição, talento, criatividade, informação, formação, conhecimento, prático e teórico, especialização, racionalidade, know-how, know-what, dinamismo, proactividade, mentalidade, motivação, liberdade, competitividade, etc., etc. Curiosamente, tenho cada vez mais a percepção que, em Angola, nenhuma destas variáveis será, verdadeiramente, importante. Melhor ainda, que todas juntas não suplantarão a, solitária, variante angolana. Leia-se, a propósito, esta já velha sebenta.

«Luanda precisa de murro na mesa»

Entrevista interessante esta do deputado-jornalista, ou jornalista-deputado?, João de Melo ao semanário «O País». Só discordo da quantidade dos murros. Talvez não fosse má ideia distribuir, também, uns quantos upercuts por debaixo da mesa.

quinta-feira, 21 de maio de 2009

Guerra de zeros

Habituado à orientação anglo-saxónica nestas coisas, confesso ser um recente descobridor de uma guerra que poderá ser já velha para alguns. Como se deverá ler 1.000.000.000? Um bilião? Mil milhões? Ou, como no Brasil, um bilhão? E a unidade de medida a seguir, 1.000.000.000.000? Um trilião? Um bilião? Todas estas leituras estarão correctas, daí a confusão. A qual, em Angola, tenderá a avolumar-se pela diferente origem e formação de cada leitor, resultando daí frequentes disparidades na interpretação das mesmas grandezas. Mesmo que, como esclarece Nuno Crato, a matemática até seja «uma ciência exacta».

terça-feira, 19 de maio de 2009

Investimentos rasca

Angola quer fábricas portuguesas de materiais de construção. Há uns meses, quando alguém por aqui sentenciou que a descida drástica dos preços do petróleo poderia ser benéfica para Angola, era disto que se tratava. Após o rebentar da toalha almofadada de dólares onde os governantes angolanos se estiravam enquanto decidiam o futuro airoso do país, é agora tempo de rebobinar a cassete do crescimento contínuo e sustentado e, em definitivo, assumir que o oásis poderá secar. E que, se calhar, será também tempo deste país tentar parar de importar tudo o que necessita e esforçar-se por produzir internamente o que consome. Depois desta evidência, haverá que limar outras. Como a de divulgar às famintas empresas internacionais que cá querem entrar, tugas incluídos, quais as condições para a recepção dos tão necessários investimentos. Tem de ser em joint-ventures com os locais? Mas afinal eles percebem do negócio? E como fica a distribuição do capital? Os locais terão sempre a maioria? E entram para realizar capital? Ai só entram com terrenos, licenças de construção e contratos de fornecimentos futuros? Eh pá, se calhar teremos de analisar isso melhor, porra! Restará, então, saber, se estes tugas dos materias de construção estarão tão à rasquinha para encontrar novos mercados como, aparentemente, terá estado a TV Cabo.

segunda-feira, 18 de maio de 2009

Em busca dos posts perdidos

Nos últimos tempos este blogue tem andado aos caídos. Ao que deveria acrescentar, para mal dos meus pecados, literalmente, porque, durante todo este tempo, tenho vindo a acumular bastantes. Após o coma do Asus, tenho sido obrigado a esmolar entre amigos e conhecidos por um acesso, livre, à net. Aventura que tem tanto de penoso quanto se sabe que, por estes lados, qualquer acesso é, quase que por definição, vegetativo. Tenho, então, a comunicar que, não me agradando nada esta figurinha de blogger furtivo, que já troca descansar por descançar, assim continuarei por mais algum tempo. Até que, num muito aguardado avião da TAP, embarque quem me venha resgatar. Permitindo-me, finalmente, outra vez, dar Asus aos posts perdidos.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Diz que é uma espécie de paragem

O CR diz que quer descansar d'O Anónimo. Não acredito. Algo me diz que O Anónimo não o vai deixar em paz. Mais dia menos dia e aparecem aí os dois para darem o maior festival de escrita com carácter da blogosfera portuguesa. Até lá então, meu Caro.

Minas em desfile

Desminados mais de quatrocentos milhões de metros quadrados. É, realmente, muita mina, ódio, traição, cobardia, desprezo pela vida humana. Não apenas de angolanos, mas também de todos os que lutaram, influenciaram, envenenaram, pilharam, hipotecaram o destino deste povo. Que continua minado em si mesmo.

domingo, 10 de maio de 2009

Senescências

Acabo de me aperceber da minha senescência ao ter de parar a máquina de lavar-roupa a meio do programa para de lá retirar os calções em cujos bolsos deixei a carta-de-condução. Agora condutor bem mais clean, resta-me esperar que, em compensação, os polícias de trânsito de Luanda esqueçam também a mesada das gasosas que costumam cobrar-me.

Imprensa Nacional

Há liberdade de imprensa em Angola, afirma o porta-voz do SJA. Ora ainda bem. Espero é que isso possa incluir a liberdade dos blogues. Algo me diz, no entanto, que tal como com a outra imprensa, se defenderia também aqui «privilegiar os quadros nacionais». Saia então um Roberto Ivens e entre um Major Kanhangulo. Imediatamente!

sábado, 9 de maio de 2009

Crocodilo Dundee

Crocodilos matam nove crianças em Angola. Esta notícia, estranhamente transcrita num tom que parece vaguear entre a banalidade do acontecimento e a inevitabilidade do próprio desfecho, traz à memória documentários do National Geographic e imagens de crocodilos a banquetearem-se de gnus, impalas, zebras e outros animais que se forçam a atravessar em manada rios infestados de predadores em busca de novas pastagens. O que essas imagens terão de extraordinária demonstração de luta pela sobrevivência multiplicam-se de horror quando se imagina que as vítimas se tratam, afinal, de seres humanos. Crianças. Desgraçadamente, as dundees de um inexplicável filme macabro.

sexta-feira, 8 de maio de 2009

Hip hip hurrah!!!

Angola salva o ano aos vinicultores de Portugal. Encontra-se mais ou menos institucionalizado, por aqui, que haverá investimentos cujo retorno se duvida ser o verdadeiro motivo do respectivo arranque. Ora esta notícia parece demonstrar que, afinal, o axioma estará errado. E que a Merlot e a Sauvignon poderão vir a ameaçar a omnipresente Cuca no conteúdo dos copos dos angolanos do futuro. O que será uma verdadeira prova, afinal, do retorno do investimento em devido tempo feito nas quintas mwangolés do Douro.

Estádios históricos

Governante considera "histórica" edificação dos estádios. Angola ultima a organização do Campeonato Africano das Nações em futebol, a ocorrer em Janeiro de 2010. Num torneio desta envergadura, irá construir, apenas, quatro novos estádios. Muito longe, portanto, da megalomania de outros futebóis. Prova de que, pelo menos neste campo, Angola não necessitará de importar competências.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

Comícios & bebícios

Conflito entre militantes do MPLA e UNITA resulta em oito feridos. Não será apenas em Portugal que as convicções de fé político-ideológica saltam para o púlpito das ruas mal os comícios viram bebícios.

quarta-feira, 6 de maio de 2009

Um gigante desmembrado

Eis um testemunho bem mais elucidativo sobre o poder da mente do que o transcrito na literatura dos gurus de supermercado.

domingo, 3 de maio de 2009

Aleluia

Hoje é Dia da Mãe e não tenho como festejar. Porque estou órfão. Tanto de mãe como de pai. Aliás, de mães e de pais, pois tive a sorte de ter dois de cada. A todos, acompanhei-os até ao fim, numa proximidade nem sempre fácil mas que acredito ter sido a suficiente para, também, acreditarem que nunca estiveram sós. Tal como tendo a pensar que, agora, não estou. Por isso, estou órfão, não sou órfão. Também por sentir ter, por vezes, uma esquadra a vigiar-me. No parapeito de uma mesma janela corrida. Não sei muito bem onde.

sábado, 2 de maio de 2009

Flag Man

Afinal, parece que Scolari já não virá treinar a selecção de Angola. Mais do que os adeptos locais ainda não convencidos da falência do futebol-retranca de Filipão, são os comerciantes indianos e chineses que dominam o trading por aqui quem demonstra maior frustração. Pré-contratos e encomendas de contentores e paletes de bandeiras ter-se-ão desfeito no pó que nenhuma prece foi capaz de resgatar. O que será uma pena. Também eu gostaria de ver o efeito sobre Luanda, mais a sua falta de varandas, dos enfeites da bandeira negro-rubra rachada pela catana, pela semi-roldana e pela estrela dourada. Em Portugal, apesar de tudo, foi giro.

sexta-feira, 1 de maio de 2009

Dia do trabalhador

Hoje também faço anos, como trabalhador, pois iniciei-me a um 1º de Maio. Na verdade, dado o feriado, comecei no dia seguinte, mas é o que ficou registado no contrato. O que daria origem a algum gozo, lá em casa, por esse pormenor no arranque não abonar nada a favor da qualidade do novo trabalhador. Mais tarde, mudei uma vez de emprego num 1º de Novembro, novo feriado, o qual, para além do extra-bolso, me faria reincidir na chacota doméstica. Tantos anos entretanto passados, creio ter compensado esse absentismo precoce com muito after-hours, quantas vezes estendido aos fins-de-semana e feriados. O que, mesmo assim, jamais me deu o privilégio de poder, heroicamente, engrossar qualquer manifestação num 1º de Maio. Pelo contrário, houve sempre alguém a avisar-me de que poderia ter-me poupado ao desperdício se soubesse gerir melhor o meu tempo no trabalho. Agora, em Angola, tenho-me deparado com uma nova faceta de forçado workaholic. O que me tem trazido tanta frustração quanta infelicidade. Por não haver nada de especialmente excitante em continuar por aqui casado-com-o-trabalho.