
Sempre que passamos num dos acessos ao largo do Kinaxixi e somos obrigados a parar no par de semáforos seguidos que lá tentam controlar a selvajaria do tráfego automóvel, sou quase sempre assaltado pela mesma imagem. Como se fora uma explosão. Ao lado dos postes dos semáforos, ora num ora noutro, outras vezes em ambos, costumam estar duas mulheres mutiladas. Uma, mais velha, tem apenas os cotos das pernas e transporta-se numa cadeira de rodas. A outra, mais nova, tem uma das pernas serrada até um pouco abaixo do joelho. Para além do que não têm, assemelham-se por serem ambas mães de bebés. Um deles, talvez com menos de um ano, costuma acompanhar a mãe que lhe dá de mamar no duplo colo da cadeira de rodas. O outro, já maior mas ainda a arriscar os primeiros passos, só aparece de vez em quando por ali. E quando aparece, a mãe, que não deve ter mais de vinte anos, esquece o peditório e fica no passeio a brincar com ele. Vi-os, num destes dias, no local de sempre, divertindo-se a jogar às escondidas. Ela a saltitar na única perna, ziguezagueando entre os postes de ferro que sustentam a publicidade a uma companhia de seguros e ele a esbracejar de alegria na perseguição dos passos da mãe, um e outra completamente alheados do resto do mundo que se transportava mesmo ali ao lado, no tráfego de ar condicionado que insiste em atropelar as encruzilhadas do Kinaxixi. Como o semáforo estava aberto, passamos sem ter de descer o vidro do carro. No entanto, o brilho daquela imagem fugaz da brincadeira entre mãe e filho acompanhar-me-ia no resto do meu dia. E, por uma vez, não tive de me interrogar sobre a felicidade que aquela mãe haveria de comprar com uma nota de kwanzas.