sexta-feira, 31 de outubro de 2008

Virtudes

Curiosamente, os bancos portugueses que recentemente premiaram o know-how dos seus parceiros angolanos com 49,9% no seu capital social, são os mesmos que agora surgem associados às transacções do Angolagate. E ainda há quem duvide que a poupança seja uma virtude.

domingo, 26 de outubro de 2008

Aeroporto Presidencial

Consta que em 2010 estará pronto um aeroporto em Luanda. Para já e como sempre nestas coisas das inaugurações, há quem tente a habitual proeza de se pôr a adivinhar-lhe o nome e o chame «Novo». Outros, igualmente pródigos em viajar nas nuvens, referem-se-lhe também como «Internacional». Confesso a minha estranheza perante o léxico utilizado. A menos que, como já me tenho interrogado com os meus botões, alguém queira assumir que já existe um aeroporto, eventualmente internacional, em Luanda. Curiosamente, os meus botões têm-se mostrado impenitentes na resposta. «Não passaria pela cabeça de ninguém», balbuciam eles pelos buracos por onde passam as linhas de coser e que eles usam como olhos mas às vezes também como bocas, «que se considerásse um aeroporto a actual pista onde atracam os aviões que chegam a Luanda». E não deixarão de ter alguma razão quando se referem ao actual 4 de Fevereiro. Daí as expectativas que o aeroporto esteja já a criar entre os estrangeiros que residem actualmente em Angola. Restará agora saber o preço dos bilhetes dos aviões nos vôos que sairão do «terminal para a presidência».

sexta-feira, 24 de outubro de 2008

Geração jindungo

Dezenas de crianças num quarto, fechado, com uma fogueira onde era queimado Jindungo (malagueta) era um dos métodos usados para libertar do "mal" as "crianças feiticeiras" que foram resgatadas esta quinta-feira pela Polícia Nacional na capital angolana. Ao ler esta notícia, revoltante sobretudo pela ignorante selvajaria travestida de religião que decepa crianças, lembrei-me do que me dissera certa vez uma angolana muito convicta dos valores que individualizariam o seu país no contexto regional. Que o caos dos vendedores de rua que agora ocupam o centro da capital, tal como os hábitos de deitar lixo para o chão, cozinhar às portas de casa ou passear descalços pelas ruas, se devem à invasão de Luanda pelas populações vizinhas do Congo mal findou a colonização portuguesa. Não sei se isto terá sido mesmo assim mas, para alguns estratos da sociedade angolana, aparentemente, o valor do jindungo ainda ameaçará o do petróleo.

Blue Eyes

A Júlia ML, detentora dos olhos mais belos e familiares da blogosfera que conheço, distinguiu o NOS CUS DE JUDAS com um prémio cujo significado não me interessa por aí além, a não ser o próprio significado que a Júlia ML implicitamente lhe deu, i.e., ela lê-me! E isso, sim, interessa-me, desde logo porque o blogue dela é tão bonito como os olhos com que ela escreve o que lá se lê. Sendo eu avesso a confraternizações, não vou respeitar minimamente as regras do tal prémio. Fico-me, então, por um «Obrigado, Blue Eyes».

quinta-feira, 23 de outubro de 2008

PEDRO ABRUNHOSA / ILUMINA-ME

Uns consideram o português, de Portugal, um língua difícil para se ouvir. Talvez porque, como dirão outros, comamos as sílabas. Uns e outros apontam assim o so-le-trar do português, de Portugal, como o maior obstáculo à difusão da nossa música. E dão o exemplo de um outro português, o do Brasil, que é, desde há muito, um sucesso à escala planetária. Por mim, desde este meu auditório privativo que são os joggings corridos a MP3 de música portuguesa na marginal da baía de Luanda, tenho descoberto que tudo isso afinal não passa de mais um logro de viciados desde o berço em negar o génio do que é português. Se não, ouça-se este Pedro Abrunhosa. Cuja luz consegue transformar o fétido da baía luandense numa ilusão da maresia que o mesmo Atlântico recupera tantos milhares de quilómetros a norte.

domingo, 19 de outubro de 2008

Charada do costume

Uma vez, no Lobito, depois de um jantar fora, chegamos ao hotel onde estávamos hospedados e parámos o carro junto de uma tabuleta que informava da proibição do estacionamento defronte, «excepto clientes do hotel». Tão óbvia me parecia a situação que saí displicentemente do lugar do morto para afastar os quatro pinos de plástico pintados às riscas vermelhas e brancas que guardavam os lugares. E não é que me sai disparado da porta do hotel um velho paquete vestido com uma jaqueta de figurante de filme épico aos berros de «Alto aí»?! Recordo o colarinho mais estrilhaçado que já vi na vida, com milhentos rios de fios a escorrerem-lhe para o peito da camisa borolenta que já há muito deixara de ser branca, uma catarata de riscos vermelhos saídos da gravata muito larga que fazia um chumaço de nódoas no lugar do que pretenderia ser um nó e que acabava num rabo de bacalhau que soçobrava muito antes de chegar ao umbigo e a encimar a figura um chapéu azul e vermelho roído nas pontas que teriam sido debroadas a dourado, num quadro cujas pinceladas lhe davam um ar de almirante que há muito perdera as graças do mar. «Quem lhe deu autorização para mexer nisso?» Com o maior dos desassombros informei-o que estávamos hospedados no hotel, aquele mesmo hotel. Qual quê!? A informação parecia não ter esmorecido minimamente a fúria fardada do homem, pelo que continuou a entoá-la numa crescente estridência de gritos e gestos. «Mas você não devia ter mexido nessas coisas, pois esse é o meu trabalho!» Após mais alguns esforços, inglórios, para criar alguma luz naquela escuridão, concluí que, não sendo um problema de língua, poderia muito bem sê-lo de linguagem e decidi então deixar o caminho aberto para a entrada naquela liça cada vez mais surrealista do meu colega, angolano, condutor do automóvel. Sem qualquer sucesso. O homem continuou a repetir até à exaustão o nonsense do refrão da sua exclusividade de guardião dos mecos, pelo que daí a minutos o carro já estava estacionado a cinquenta metros daquele local. Ainda perguntei aos funcionários da recepção, que presenciaram o incidente na rua, se havia por ali um livro de reclamações, mas olharam-me como se fosse chinês, não sei se o livro ou se a reclamação. Durante a posterior conversa no bar com o grupo de colegas que me acompanhavam, interroguei-me sobre o sentido, sociológico que fosse, do sucedido. Resquícios de algum tipo de funcionalismo? Excesso de zelo militante? Falta de formação no serviço ao cliente? Mera senilidade? Seria um angolano a decidir a charada. Uma gasosa e tudo teria ficado logo resolvido.

quarta-feira, 15 de outubro de 2008

Pistolas de água

As anedotas continuam no julgamento do «Angolagate» em Paris. Segundo os jornais, Pierre Falcone terá argumentado que, afinal, foram «razões humanitárias» que o terão levado, mais o sócio, a guardar metade dos quase 800 milhões de dólares envolvidos no negócio da venda de armas ao regime angolano durante a guerra civil. E quem imaginava que os fornecimentos que caíam de pára-quedas no território seriam de material bélico está rotundamente enganado. Eram, afinal, de «água». Vai-se a ver e ainda se concluirá que tudo não terá passado de um simples engano de notas de encomenda.

Antípodas

Enquanto o mundo outrora conhecido por civilizado vai lambendo as feridas deixadas a nu pela selvajaria do sub-prime, Angola resiste e continua a imaginar-se a viver nos antípodas.

terça-feira, 14 de outubro de 2008

Coro do Judas

Uma opinião inserta num poste aqui publicado há uma semana atrás foi transcrita na blogosfera internacional. A que se diz empenhada em amplificar o que os «other media» tenderão a não altifalar. Como será o caso, refere Clara Onofre, do Angolagate. Num primeiro momento, fiquei algo receoso com os efeitos destas luzes da ribalta, principalmente com eventuais pilhas vigilantes no meu contador de visitas. Num segundo momento, olhei para os sponsors do Global Voices como quem se alivia na protecção tutorial. Desde a Harvard School, até à Fundação MacArthur e à Reuters, todos se esforçam globalmente por me assegurar de que a minha voz será ouvida. Como dizer-lhes, entretanto, que não sei cantar?

domingo, 12 de outubro de 2008

Diabinho

A força da crise na finança internacional é cada vez mais despudorada, com bancos, seguradoras e inclusivè países a declararem falência. Tal como no passado havia especialistas a explicarem a bonomia das políticas do crédito fácil e barato para todos, também há agora especialistas que explicam que a salvação do mundo está afinal na poupança. Vai-se a ver e serão os mesmos especialistas. Por mim, tudo isto fez-me descobrir que tenho um diabinho a habitar na cabeça. E que costuma passear-se algures entre a minha cada vez mais calva fronte e as traseiras da orelha esquerda. Um destes dias meteu-se à fala comigo, o estafermo. Para me dizer que, depois disto tudo, bem que queria saber como é que a nossa vizinha cabeleireira, que costuma passear-se num espada, que todas as segundas-feiras enche de amigas, igualmente suequíssimas, para comprarem pizzas congeladas no supermercado, irá continuar a pagar a renda do leasing do seu BMW.

Olho por olho, dente por dente

Consta que, esta semana, em Lisboa, alguns cidadãos angolanos em trânsito foram impedidos de entrar no País porque o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras terá desconfiado da sua capacidade de sobrevivência em Portugal. Logo de seguida, num sinal da fulminância com que a diplomacia angolana costuma actuar, foi suspensa a emissão de qualquer tipo de vistos a cidadãos portugueses com viagens marcadas para Angola. No Consulado do Porto, todos os processos, que obrigatoriamente incluíam cópias de cartões de crédito, foram recusados. Uma folha A4 colocada de urgência na porta da recepção dos pedidos passa a exigir que, a partir de agora, os candidatos a visto tenham de apresentar prova da compra de divisas, à razão de 200 USD por dia de estadia prevista em Angola. Depois da cena das cartas de condução, a dos cartões de crédito. É a imagem de marca da diplomacia angolana. Olho por olho, dente por dente.

quarta-feira, 8 de outubro de 2008

Morais, vintages & LBV's

Logo após a divulgação da lista dos membros do novo governo angolano, fartei-me de perscrutar no Google o nome de José Pedro Morais, consagrado ministro das Finanças do elenco cessante e não reconduzido no cargo. Que lhe teria acontecido? Afinal, a circunspecta imprensa angolana limitava-se a reportar os nomes e, quando muito, os curriculuns dos novos eleitos do presidente Eduardo dos Santos e parecia esquecer os anteriores estafetas. Encontrei, agora, a justificação para a substituição de José Pedro, que passa a presidente da futura Bolsa de Valores de Luanda. Foi numa entrevista ao seu substituto, Severim, até aqui vice-ministro das Finanças. E, também, seu sobrinho. Fico a aguardar que o «génio» dos vintages angolanos se possa replicar nos LBV's.

segunda-feira, 6 de outubro de 2008

Angolagate

«O julgamento do "Angolagate", ligado ao caso de presumível tráfico de armas para Angola nos anos 90, começa na segunda-feira num tribunal de Paris, envolvendo dezenas de políticos e empresários franceses.» Não haver neste processo um único arguido angolano não deixa de ser curioso. Que todo o material de guerra, tanques, navios, helicópteros, obuzes, minas, tivesse entrado em Angola sem que ninguém o houvesse solicitado faz pensar que, afinal, poderá ter havido uma ... invasão estrangeira?!

quinta-feira, 2 de outubro de 2008

Poema à Mãe

No mais fundo de ti
Eu sei que te traí, mãe.
Tudo porque já não sou
O menino adormecido
No fundo dos teus olhos.

Tudo porque ignoras
Que há leitos onde o frio não se demora
E noites rumorosas de águas matinais.

Por isso, às vezes, as palavras que te digo
São duras, mãe,
E o nosso amor é infeliz.

Tudo porque perdi as rosas brancas
Que apertava junto ao coração
No retrato da moldura.

Se soubesses como ainda amo as rosas,
Talvez não enchesses as horas de pesadelos.

Mas tu esqueceste muita coisa;
Esqueceste que as minhas pernas cresceram,
Que todo o meu corpo cresceu,
E até o meu coração
Ficou enorme, mãe!

Olha – queres ouvir-me? –
Às vezes ainda sou o menino
Que adormeceu nos teus olhos;

Ainda aperto contra o coração
Rosas tão brancas
Como as que tens na moldura;

Ainda oiço a tua voz:
Era uma vez uma princesa
No meio do laranjal...

Mas – tu sabes – a noite é enorme,
E todo o meu corpo cresceu.
Eu saí da moldura,
Dei às aves os meus olhos a beber.

Não me esqueci de nada, mãe.
Guardo a tua voz dentro de mim.
E deixo-te as rosas.

Boa noite. Eu vou com as aves.

Eugénio de Andrade, «Os Amantes sem Dinheiro»