segunda-feira, 31 de dezembro de 2007

Pensamento de Ano Velho (II)

Uma das mais enigmáticas frases que já ouvi foi a de um bancário chegado tarde a uma reunião para assinar um contrato que incluía contrapartes vindas expressamente do estrangeiro. Embora com mais de hora e meia de atraso, comprazia-se com o facto de alguns dos outros, provenientes do aeroporto, terem chegado uns minutos depois dele. E lá ecoou a frase que memorizei: «Em Portugal, ser pontual custa dinheiro!» Referindo-se, porventura, ao que teria produzido na hora e meia de trabalho em que consumira o atraso. Independentemente das dúvidas sobre a sua veracidade, tomei-o como um dito engraçado. Com a nuance de poder ser utilizada como um improvável ascendente numa qualquer discussão sobre a proverbial falta de pontualidade lusitana. Tenho-me lembrado muito disto em Luanda. E da produtividade encoberta que, certamente, se registará por detrás da ausência de qualquer noção de compromisso horário dos nossos patrícios angolanos.

domingo, 30 de dezembro de 2007

Pensamento de Ano Velho (I)

Em Economia, uma das mais clássicas e nem sempre compreendidas distinções é entre os conceitos de eficiência e eficácia. Os anglo-americanos, que têm tendência para incluir estas coisas numa espécie de dicionário do mundo dos negócios a que, muito antes ainda da entrada em vigor da globalização, já davam o nome de buzzwords, distinguem-nos entre «doing things right» e «doing right things». Dou comigo, em vésperas de fim-de-ano e no intervalo da minha iniciação à economia de Angola, a matutar nisto e a arriscar uma outra distinção. O que diferenciará a eficiência da eficácia é a gasosa. Sem que, com isto, pretenda pôr em causa, obviamente, Adam Smith e os três séculos de história da ciência económica.

quinta-feira, 27 de dezembro de 2007

Visto assim...

Um dos ícones de Angola, para os expatriados que para lá vão emigrando, são os vistos de entrada, sem os quais não é permitido o desembarque a quem lá anseie arribar. São vários os objectos destes vistos, desde trabalho, residência e turismo, até aos mais comuns ordinários. São reconhecidas as dificuldades que qualquer um deles coloca aos viajantes na sua obtenção. Tal como a simpatia com que esta burocracia é aceite, principalmente em quem lá vai para trabalhar a tempo inteiro. Desde logo, porque a dificuldade em obter um visto de trabalho, que em média é de cerca de um ano, é coberta com uma sucessão de vistos ordinários, os quais permitem estadas até 30 dias e duas renovações locais por iguais períodos de tempo. Na prática, qualquer assalariado ordinário vê-se forçado a regressar a Portugal uma vez em cada trimestre a fim de poder solicitar a emissão de um novo visto de entrada em Angola. O qual obriga, em média, a uma espera de dez dias úteis até que volte a ser novamente concedido. Um martírio temporal que, afinal, qualquer tuga enfrenta estoicamente com um sorriso nos lábios. Sendo porventura esta a única ocasião em que a tantas vezes apregoada lentidão angolana não é motivo de reprovação.

segunda-feira, 24 de dezembro de 2007

Natal angolano

Desconheço como será o ambiente do Natal em Luanda e espero nunca ter de o conhecer. Será sinal de que conseguirei preservar a ponte, entre outras coisas pavimentada pela obrigação de renovação de vistos, com a minha memória natalícia, ela própria uma metrópole de signos que não tem admitido, até agora, uma qualquer outra realidade ultramarina. Há uns dias atrás fui surpreendido com a informação de que os angolanos festejam o Natal com o mesmo bacalhau-com-batatas-e-couves que se coze nesta época em Portugal. O que considero espantoso. Haver um país, que não o nosso, que assuma assim a herança do culto de um peixe pescado num mar que nem sequer o banha e que se disponha fielmente a consumi-lo no banho-maria dos mais de 40 graus centígrados de uma das suas noites de Dezembro. Desconheço, do alto dos meus míseros dois meses de Angola, se haverá por aqui um maior sinal do tributo local à cultura portuguesa. O que tenho a certeza é que, se alguma vez tiver o azar de por aqui ficar no Natal, também eu irei degustar deste mesmo bacalhau cozido com batatas e couves. Mesmo se estas provirem da Namíbia ou do Botswana.

segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Em cada porto uma memória

Os especialistas em sistemas de informação são os novos navegadores do mundo global. Cada vez mais pagos por projecto, calcorreiam o mundo de laptop a tiracolo, sempre na expectativa da dobragem de um informático cabo da boa esperança. Sendo um povo com pergaminhos na matéria, tenho encontrado por aqui alguns tugas que têm feito de Angola destino de sucessivos embarques e desembarques. Um deles anda nisto há já dezoito anos, saltando de uma fronteira política para outra e anotando as diferenças desta tribalista e colorida África. A verdadeira, a que existe para além das notícias dos telejornais. Depois de tantas cruzadas, tem a sabedoria de quem há muito defralda velas e vidas por estes, ainda agora e talvez para sempre, lusos oceanos de gente. São Tomé e a pesada humidade do clima, que tanto atrai mosquitos como doenças e cria frutos a uma velocidade muito superior a qualquer recolha humana. O cálido e calmo Cabo Verde,cuja mestiçagem o vai tornando cada vez mais ibérico. Os suaves moçambicanos, aparentemente alheados da mudança da capital do império para Pretória. Também Luanda, porto a que tem arrivado mais frequentemente por cada vez serem mais as caravelas que por aqui vão lançando ferro. Fala-se com este navegador e percebe-se que legenda as recordações africanas em português. Com a memorável excepção da enfermeira francesa voluntária num hospital do Mali, que parece recordar em grandes travellings mudos. Também é deste tipo de replays que se vão alimentando os sonhos dos marinheiros que cirandam por estas paragens.

sábado, 8 de dezembro de 2007

Judas?

Com a estranha distensão que vem sendo cada vez mais demonstrada na quadra natalícia, num claro sinal de que a tradição já não é o que era, esta foto foi depositada no meu correio sem qualquer comentário adicional. Poderia bem considerá-la um imagético exercício de pura e refinada ironia se se tratasse do e-mail onde tenho albergado o Nos Cus de Judas. Mas não. De todo o modo, juro que não irei mudar o nome ao blogue.

O respeitinho é muito bonito

Porque acredito na mensagem que encima este postal, vou passar a responder aos comentários que recebo. Não o fiz até agora por considerar que só me interessaria debruçar sobre o que escrevo, o que nem sempre ocorre com os assuntos que são despejados nas caixas de comentários. Gato escaldado de anteriores pias blogosféricas foge. No entanto, apercebo-me agora, após ter igualmente despejado uma campanha pirata de auto-promoção em diversos outros marcos, de que começo a ser lido. Mais do que isso, há até quem se dê ao trabalho de comentar o que se escreve aqui, seduzindo-me a abandonar o monólogo. Pois bem, fá-lo-ei com a mesma deferência com que for convidado a dialogar.

quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Sinfonia lusitana

No início do jantar o ambiente na sala estava sereno, quase monocórdico. Uma meia dúzia de mesas jaziam ocupadas por alguns grupos de pessoas que certamente sussurravam os balanços das respectivas jornas. Os empregados, equipados com grandes cartes, pareciam patinar os salamaleques dos modos por entre as mesas redondas do restaurante. Alguns toques de pratos, talheres e copos compunham a orquestra daquele soturno semi-silêncio. De repente, entra um grupo de seis jovens tugas. Certamente informáticos, a avaliar pelas grossas bolsas dos laptops com que vinham armados. Aproximaram-se da requerida mesa-para-seis, entrecruzaram mútuos esgares de assentimento e decidiram-se a sentar. Antes, ainda tiveram tempo para largar as armaduras no meio da pista, inconscientes dos eventuais estragos causados à arte dos empregados de mesa. Enquanto ainda hesitavam no que pedir, na bolsa polifónica das sugestões do menú, um deles começou por degustar a confirmação da reserva do bilhete de avião que conseguira obter nessa tarde e que lhe pusera o Natal mais próximo. Daí a uns minutos, como que por antecipação, todo o restaurante luzia do colorido de recordações intermitentes, que misturava bacalhau cozido com vinho-fino, nozes com rabanadas, a casa da avó com lareiras acesas e muitas outras inconfessadas memórias, todas polvilhadas por secretos sacos de prendas, num surto de alegre cacofonia que inexplicavelmente se espalhou por todas as outras mesas entretanto preenchidas. Inexplicavelmente? Talvez não tanto assim. Afinal, trata-se da sinfonia lusitana em que se vai transformando o ambiente de pré-Natal que se vem vivendo em Luanda.

domingo, 2 de dezembro de 2007

Violência gratuita

Ontem de manhã, enquanto regressava do supermercado, assisti a uma cena triste. Um homem que havia sido transportado num dos taxis locais e que ter-se-à recusado a pagar os 400 kwanzas da corrida, foi sovado em plena faixa de rodagem pelo condutor e pelo pica. O passageiro, jovem nos seus trinta anos, bem mais encorpado do que os antagonistas mas completamente bêbado, acabaria por ser deitado ao chão para ser socado e pontapeado pelos outros dois, numa tão desproporcionada quão gratuita manifestação de violência. Em redor da cena, entre passageiros e transeuntes, ninguém ensaiou qualquer protesto. Duplamente à distância, entre o nojo e o desconforto de me encontrar na assistência, dei por mim a interrogar-me sobre o carácter universal da noção de cidadania. Entretanto, o homem acabaria por conseguir levantar-se entre dois pontapés e os outros dois deram por bem cobrada a dívida e arrancaram no taxi. Felizmente, também, para mim, que pude abandonar o local e deixar adiada para uma outra ocasião a resposta à minha própria interrogação.

sábado, 1 de dezembro de 2007

Kuduro Taxis

Um dos símbolos mais kitsch de Luanda são os taxis, industrialmente também conhecidos por candongueiros. São geralmente carrinhas de nove lugares mas onde, talvez para justificarem o cognome, podem lá caber perfeitamente o dobro dos passageiros. Distinguem-se no trânsito pela sua cor azul e pelo tipo de condução. Em bom português, o sempre-a-assapar. Desconheço se haverá algum tipo de requisitos ou formação exigíveis a um condutor destes veículos, por exemplo, a carta de condução, mas desconfio que não. Daí o seu contributo no caos que grassa nas ruas de Luanda. Desde conduzirem em contra-mão, em ruas com sentido proibido ou por cima dos passeios, até fazerem ultrapassagens pela quarta faixa da esquerda, por sinal a única via livre para quem vem do sentido inverso. Já para não acrescentar o hábito dos próprios passageiros terem de sair para os empurrarem nas subidas. Ou o destes taxistas utilizarem a zona interior das rotundas como local de paragem, regateio e pagamento das corridas. Só não poderão ser acusados de passarem linhas contínuas porque há muito que a indústria de tintas faliu por estes lados. Os sinais de trânsito mais fiáveis, para eles, são as maõs com que vão acenando das janelas e que indicam aos outros, qual GPS, o que pretendem fazer. Todo o restante trâfego fica dependente do que decidem fazer em cada momento os condutores destes taxis. Quase sempre bem dispostos, embora stressados, algo alienados nas suas boinas jamaicanas e sempre entretidos a procurar o botão que faz aumentar o som da música que transportam no tablier. Por estes lados, o kuduro é, mesmo, o que está a dar.

Outra Capital do Móvel

Há um mês e meio atrás, em trânsito para Luanda, recebi vários avisos para me manter atento aos sinais que me dariam os mercados locais. Porquê? Porque há muito boa gente que procura estender para Angola os negócios que vegetam em Portugal. Alugo um estaminé e transfiro para lá mercadoria mal me arranjes alguém de confiança para tomar conta da máquina registadora e dos livros. Pelo menos das folhas que forem necessárias. Pois bem, acabo de terminar a prospecção de mercado. O melhor sector para investir em Angola é, inquestionavelmente, o das cadeiras. Principalmente se forem de plástico. É o que mais se vê nas ruas de Luanda. As frentes das torres de escritórios, hoteis, bancos, lojas, agências de todos os comércios e actividades, blocos de apartamentos, vivendas, casas e barracas, estão ocupadas com os agentes das inúmeras empresas de segurança que infestam a capital angolana. Cadeiras, geralmente de plástico, onde fardas de todas as cores, tamanhos e aprumos descansam durante a ininterrupta vigília. É no que deu a propalada bandidagem de Luanda: transformou-a numa outra Capital do Móvel.

terça-feira, 27 de novembro de 2007

Angola foi nossa?

Descoberta de uma navegação de fim-de-semana na internet é a página pessoal de Telémaco A. Pissarro, um Tuga que por aqui andou e que publicou este Angola 1951 - 1975, que é um diário de memórias e simultaneamente um valioso testemunho histórico. Não acrescento o pleonástico pessoal por não reconhecer quaisquer testemunhos impessoais. É um testemunho longo, algo obsessivo, simultaneamente apaixonado e sofrido, centrado na própria experiência de vida do autor e por isso mesmo recheado dos pormenores que uma leitura mais distanciada não propiciariam. Imperdível. Nalguns trechos e fotos, de leitura e visionamento quase irrespiráveis.

segunda-feira, 26 de novembro de 2007

A vingança das passadeiras

O alerta «atenção ao peão na passadeira!», que apenas provocava uma maior aceleração por parte do condutor do veículo, é uma velha piada racista dos tempos da colonização portuguesa. Curiosamente, no entanto, verifico que ela se foi mantendo na Angola actual. A piada. Bem como o racismo, agora aparentemente confinado aos peões. As poucas passadeiras existentes por aqui, ténues borras de cal no asfalto esburacado, não farão parte dos manuais de trânsito que os Joões Catataus ensinam nas escolas de condução angolanas. Há vezes, no entanto, em que julgo vislumbrar a especial deferência com que se carrega no acelerador mal se reconhece que o peão não é africano.

domingo, 25 de novembro de 2007

Romanos fumados

Há por aqui, para o bem e para o mal, muitos exemplos do «em Roma sê romano». Desde logo, os fumadores, que por estes lados podem à vontade conspurcar de fumo quartos, salas, salões e halls de hotéis. E, claro está, não há cidadão de país dito mais evoluído que se faça rogado ao prazer de invadir os pulmões alheios. Será um velho dilema de consciência: lá não posso, mas por aqui não é proibido, logo... E tem sido notório que alguns tendem a considerar resolver o dilema exactamente quando tentam alojar novo cigarro num dos cantos da boca.

sábado, 24 de novembro de 2007

Tráfico automóvel

O trânsito em Luanda é absolutamente caótico. Só por isso é aceitável o erro, que é comum entre os angolanos que conheço, de lhe chamarem tráfico em vez de trâfego. Porque a condução absolutamente selvagem, a ausência de sinais de trânsito, a inobservância deles quando existem, os estacionamentos em quarta fila, os percursos sinuosos, tanto de carros como de peões, o asfalto dinamitado, a polícia das preventivas «gasosas», as quinquilharias com pneus a que chamam taxis e toda a panóplia de ângulos trigonométricos que por aqui se cruzam, só pode ter um nome: tráfico. De uma outra verdade que não a da condução.

sexta-feira, 23 de novembro de 2007

Fraca bancarização

Não há hábitos em Angola, tal como não os há em Portugal, do uso de fardamento pelo pessoal que trabalha na banca. No entanto, a administração de um banco público decidiu introduzi-lo no mercado local, inaugurando uma moda que porventura não se ficará por aqui. De acordo com os entendidos, o propósito desta medida é o de impedir a natural acutilância das mulheres angolanas, que habitualmente andam com tudo à mostra. Mal soube da notícia, prometi a mim mesmo que nunca poderia abrir conta num tal banco. É que eu sou a favor da acutilância.

quinta-feira, 22 de novembro de 2007

O vendedor das Cucas

Um destes dias, enquanto curava a minha primeira dor de estômago com o zapping de breves surtidas de net no hall do bar do hotel, fui forçado a testemunhar os relatórios telefónicos de um Tuga vendedor de material hospitalar. Absolutamente aos berros, para que todos acompanhássemos os seus imperceptíveis objectivos comerciais, relatava a alguém as peripécias do seu certamente acutilante quotidiano, enquanto sorvia sucessivas Cucas cujas latas fazia desfilar no tampo da mesa como se fizessem parte de um cortejo. O curioso da cena, para além da truculência de mastigar cada cigarro nos intervalos das cervejas, é que se referia em surdina aos seus contactos. «O padrinho de cá», «Os gajos que mandam», «Depositem-me na conta porque vou ter de lhes untar as mãos», isto pontuado de inúmeros «Sabes como é». Num dado momento, quem estava do lado de lá da linha terá referido o nome de alguém. O vendedor atalhou logo, como que escandalizado pela eventual quebra de confessionalidade da conversa. «Não digas nomes, não digas nomes ao telefone, sabe-se lá quem poderá estar à escuta.» Por mim, senti-me reconfortado. Por mais recônditos que sejam os locais por onde andemos, sabem tão bem certos reencontros com a Pátria.

terça-feira, 20 de novembro de 2007

Miss Mina

Saia uma gasosa

A palavra mais comummente utilizada por estes lados é «gasosa». Não porque os angolanos idolatrem a coca-cola ou demonstrem especial apetência por quaisquer bebidas gaseificadas. «Gasosa» é o nickname de suborno, que é assim uma espécie de planta que nasce em qualquer canto desta terra que Lobo Antunes baptizou de Cus de Judas, ele mesmo um dos mais conhecidos subornados da História. Um destes dias, aconteceu-me o, desde há très semanas, tanto aguardado: boleia no carro de colegas estrangeiros, falta do livrete entre as dezenas de folhas plastificadas do imenso dossier documental com que a empresa ingenuamente insiste em lutar contra estas investidas dos valorosos ex-combatentes civis das FAPLA e, lá está, «gasosa». Cem dólares, que por estes lados o segredo do negócio é bem mais caro do que o da famigerada bebida do capitalismo.

Afinal, onde pára a senhora?

Quando anunciei aos mais chegados a decisão de vir para Angola ouvi os comentários mais díspares, desde o monossilábico «Boa!» até ao eurocêntrico «Mas isso… é África!» Mas o mais proferido de todos, vindo principalmente daqueles que se consideram ter já nascido com queda para os negócios, era o proverbial «Eh pá, sei de um gajo que lá está, que diz maravilhas daquilo e que até conhece a filha do Eduardo dos Santos». Após ouvir o refrão pela sexta vez, fiquei com a musiquinha na cabeça. Afinal, é a mentira mais bem guardada do regime já que, após um mês entre os indígenas, ainda não encontrei ninguém que me afiançasse conhecê-la. Se calhar, nada mais me restará do que continuar a encontrar Tugas que conhecem gajos que conhecem a senhora.

segunda-feira, 19 de novembro de 2007

Alteração editorial

Acabo de retocar o título do blogue, na sequência do comentário do "passei, vi e" ao meu último postal e que desde já agradeço. Erro assumido. Se fosse dos que não resistem à piada fácil, acrescentaria que por não ser grande entendedor na matéria.

domingo, 18 de novembro de 2007

Plano Camões

Durante uma viagem no elevador de serviço do hotel, dei com vários empregados, jovens, a discutirem as suas cores clubísticas. Por aqui, o Petro e o 1º Agosto são referências holísticas tão disputadas quanto os portugueses Benfica e Sporting. Cada um destes jovens reivindicava as virtudes únicas dos clubes do coração com a curiosidade de se lhes referirem reivindicando a nossa exaltação léxica, isto é, o benfiquismo do Petro ou o sportinguismo do 1º Agosto. Numa demonstração da abastança das referências a Portugal que paira no imaginário da população angolana. Já em muitas outras ocasiões tive oportunidade de verificar esta atractividade e que a língua de Camões lhes tem legendado muitas outras facetas das suas vidas.
Não existem quaisquer censos recentes em Angola. No entanto, estima-se que sejam cerca de 16 milhões os angolanos residentes e que 54% tem menos de 20 anos. Este challenge demográfico poderia também converter-se num outro desafio para a língua portuguesa, do tipo Plano Marshall, que tem aqui uma enorme e talvez única oportunidade de renovação. Haja no Terreiro do Paço maior clarividência do que estátuas ao grande Luís Vaz e se saiba aproveitar as excedentes virtudes pedagógicas do professorado em Portugal, antes que seja extinto pelo surto de doenças profissionais que ultimamente o tem acometido.

sábado, 10 de novembro de 2007

Scanners do costume

Um destes dias, fui acompanhado na parte final do meu jogging matinal pelo que me pareceu ser um dos malucos que habitam na marginal da baía de Luanda, que costumo ver a enrolarem-se na areia suja de gasolina e outros detritos antes de se lançarem em estranhas acrobacias nas águas do mar, mais sujas ainda do que a sujidade que mergulha com eles. Pareceu-me ser um dos malucos mas não tenho a certeza. Este início de vivência em África tem sido fatal para a minha habitual fulminância visual, levando-me a questionar se não estarei a perder faculdades. Dantes, sentia-me intimamanete confortado com as apreciações sensoriais sobre quem via à minha volta: ricos, pobres, humildes, petulantes, inteligentes, ignaros, esfusiantes, acabrunhados, pacíficos, violentos, todos eram normalmente scaneados e classificados num confortável intervalo de confiança. Pelo contrário, tem-me custado ter idênticas certezas por aqui.

Há especialistas em rostos que afiançam que os negros são todos iguais. Ao que estes reagem com a mesma convicção de que também o serão brancos, chineses, indianos, árabes, indios, aborígenes, esquimós e marcianos. Muito embora não me arrisque a tanto, dou por mim a pensar na minha notória maior dificuldade em distinguir os indivíduos das multidões de Luanda. Dificuldades não extensíveis a todos os grupos, já que alguns se fazem sobressair naturalmente, como os que vestem fatos de casas de costura, empunham relógios de marca, ou conduzem modelos de automóveis que sei não existirem à venda por aqui. Pertencerão certamente aos grupos das elites, com poder e influência para se abastecerem em Joanesburgo ou Lisboa. Com estas o meu velho scanner visual não se engana: são os mesmos do costume.

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

No centro do pântano

Imagine-se que as frotas de camiões que foram carregar cimento ao porto de Leixões, mais os que transportam combustível da Galp de Leça e ainda os que saem recheados da TERTIR junto do aeroporto de Pedras Rubras, para seguirem para sul pela Arrábida, eram forçados a percorrer a avenida da Boavista. Seria o caos no Porto. É assim em Luanda, todos os dias, pela avenida marginal. Por via disso, uma corrida de oitocentos metros poderá durar hora e meia. Consta que isto fará parte do desenvolvimento do país.

O grande estaleiro

Lembro uma frase do deputado do CDS e actual CEO da Unicer, António Pires de Lima: «Angola tem sido a salvação para muitos quadros portugueses que estavam encalhados em Portugal.»

Não sei se ele terá dito isto na sua qualidade de deputado da Nação ou na de gestor, mas desconfio bem que tenha sido na da última. Desde logo porque à maioria dos primeiros não é atribuída mais clarividência que a do conhecimento dos pratos-do-dia nos restaurantes das redondezas de S. Bento. Depois, porque Pires de Lima estará numa posição privilegiada para sustentar o que diz, pois que lidera um dos mais bem sucedidos grupos económicos portugueses. Conhecerá a realidade, portanto, bem melhor do que qualquer político. Tenho-lhe dado razão nestes meus escassos quinze dias no terreno, muito embora com uma ressalva: não serão apenas portugueses os encalhados, pois que os há por cá praticamente de todos os estaleiros do mundo.

domingo, 4 de novembro de 2007

Só sei que...

Há quinze dias em Luanda, jamais me passou pela cabeça encontrar por aqui um conhecido, mesmo que desconhecido em Portugal. Um amante do jogging que, como eu, fazia a marginal há anos, cruzando-nos em passadas tão suadas quanto mudas. Ainda a experimentar por aqui os novos passos de um velho hábito, dei de caras com ele com a surpresa de quem repara num adereço fora do lugar. Já não na coreografia do Atlântico bem mais a norte, mas nesta bela e mal cheirosa baía da capital angolana, cujos vapores sustenho com dificuldade e que acrescentam uma falsa sensação de endurance ao esforço que ponho na corrida.

Na volta, parei para o cumprimentar. Disse que também me havia reconhecido, muito embora com a hesitação de quem se interroga se a simples alteração de cenários justificaria uma sociabilidade há tanto tempo suspensa. Contrariamente a mim, era um habituée de Luanda, que conhecia ainda dos tempos da colonização portuguesa, no seu entender um must quando comparado com os actuais. No que começa a ser um curioso standard opinativo para a maioria dos portugueses que vou conhecendo por aqui, mesmo para os que nunca conheceram a Angola do antes da independência. O que não deixa de ser uma particularidade muito nossa, esta de ter opinião sobre o que verdadeiramente não conhecemos muito bem.

Faz lembrar Miguel Esteves Cardoso e uma sua crónica, plena de explicação sociológica, de há muitos anos atrás. Escrevia ele que existirá em Portugal um verbo que não se aprende nas escolas, o «sóssaber», utilizado sobretudo nas respostas aos inquéritos de rua das TV’s. Qualquer que seja a pergunta --- «É a favor do referendo prévio à Constituição Europeia?» ou «Fará algum sentido investir, simultaneamente, num novo aeroporto e no TGV quando ambos são meios de transportes antagónicos?» --- a resposta tenderá a ser a mesma: «Olhe, eu desse assunto não percebo nada, "só sei" é que isto anda cada vez pior»...

Blogues, exploradores & marisqueiras

Dia D, dia da fundação de um novo blogue com pretensões a diário de um português em Angola. Porquê «Nos Cús de Judas»? Porque foi assim mesmo que o nosso maior escritor vivo chamou a esta terra. Porquê «Roberto Ivens»? Mais por ter sido um explorador destas partidas do mundo do que por ser nome de rua de marisqueiras em Matosinhos. Seguramente.