quinta-feira, 26 de março de 2009

Quem sai aos seus...

Magalhães estará a ser vendido no mercado negro. Este título, português, logo fez disparar na memória um outro, angolano, de há dois meses atrás. Livros de distribuição gratuita à venda. Certificação da latinidade dos dois povos?

quarta-feira, 25 de março de 2009

Facas na Liga

Após cinco minutos a assistir, através da RTPi, à baboseira que vai decorrendo no Prós e Contras, atirei a almofada do sofá ao chão, vaiei o comando do televisor, pontapeei um copo de plástico e saí da sala com a frustante convicção de que o melhor e mais salutar programa desportivo da televisão portuguesa é a Liga dos Últimos.

Redzinger

Bento XVI falou no tabu da corrupção. E agora? Pois, boa pergunta. Se calhar, logo seguida por uma outra, ligeiramente mais plebeia. Quem diria que este Ratzinger viria aqui armar-se em João Paulo II, o verdadeiro Papa? Quiçá seguida por um pagão acto de contrição. Vá-se lá confiar nesta gente mais na sua eclesiástica mania de protagonismo. Então, agora... vamos lá a saber quem foram os editores de jornais que se atreveram a transcrever na íntegra os discursos do Papa.

terça-feira, 24 de março de 2009

Exitosos defuntos

Um bispo sul-africano classificou como «exitosa» a organização angolana da recepção ao Papa. Suspeito que as famílias das duas jovens mortas às portas do estádio dos Coqueiros não concordarão com esta fraterna parabenização. A menos que se trate, afinal, de mais uma reedição da velha máxima católica da confissão que precede o perdão.

domingo, 22 de março de 2009

Instâncias papais

Bento XVI insta classe dirigente a pôr fim à corrupção. E instou bem, como, certamente, o mundo inteiro terá considerado. Tal como consideraria igualmente uma outra instância, a da profilaxia do preservativo, que permitiria salvar por aqui tantas criaturas de Deus. Não se conhece, entretanto, é a resposta da corrupção à afirmação papal. O que se sabe é que, para já, irá haver, amanhã, nova tolerância de ponto em Angola. A acrescentar à da sua chegada, na última sexta-feira. Desta vez, para festejar a despedida do Papa. Em mais uma prova de que a produtividade angolana há muito foi abençoada.

Compumalária

Desde a última segunda-feira que este blogue anda entupido por uma dúvida. Será que a malária também pega aos computadores? A mim, bastou-me vegetar uma tripla sessão terapêutica de dez comprimidos diários e trocar o sábado de sol e mergulhos no Cabo Ledo pelo insoso estirar no sofá de sala, a ver rugby, ténis, ciclismo e tudo o mais que recusásse fazer a pedagogia da doença. Mas aqui o Asus, o computador de Taiwan que me tem acompanhado nesta aventura africana e que me serve de muleta no blogue, parece ter ficado bem mais afectado. Começou por deixar de ver e de me mostrar nas chamadas video lá para casa, a vingar-se das sucessivas greves da Movinet com um definitivo lay-off, a não reconhecer até as pen-drives com quem costuma dormir na mala em que os transporto e, durante toda a semana, a acrescentar mazelas várias até que, ontem, finalmente, entrou em coma. A única coisa que conseguia fazer, qual soldado apanhado pelo inimigo durante uma batalha, era mostrar o próprio nome no arranque. Ainda assim, apenas a preto e branco. Hoje, estranhamente, parece ter acordado do coma. Efeitos da estadia de Bento XVI em Luanda? Bruxaria? Pelo sim pelo não, prefiro não me meter nesta conversa.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Toque a rebate

Claro que nem toda a gente terá a possibilidade de, num determinado dia, acordar, espreguiçar-se a meio do gesto de se levantar da cama, arrastar o resto do sono até à casa-de-banho, presentear o espelho com o primeiro bocejo do dia, vigiar se as olheiras da manhã anterior lá continuam, fazer tiro ao alvo na sanita, voltar ao lavatório para limpar as mãos, reconfirmar a má imagem da mesma cara de há momentos atrás, preparar-se para a aspergir com as primeiras palmas de água do dia e resmungar mentalmente qualquer coisa antes de, maquinalmente, abrir a portazinha de plástico do móvel de inox cinzento pregado na parede de azulejos verdes e brancos enquanto sentencia em voz alta «se calhar estou com febre» e retira o termómetro a pilhas, estende-o em horizontal no sovaco esquerdo e volta ao espelho para retomar o policiamento das rugas, dos olhos remelados, do cabelo cada vez mais raro, das orelhas que insistem em não encolher e do raio dos pêlos brancos que espreitam do nariz e de que me esqueço de cortar há dias, preocupado como ando sempre com o tempo de saltar para o chuveiro, enfiar-me dentro do fato, passar a correr pelo pequeno-almoço e esquecer-me de tomar o café, mas não de travar as portas do jeep antes que alguém seja mais rápido do que eu, chegar ao escritório e anunciar à primeira secretária que encontrei, no mesmo tom solenemente pardacento como costumo pedir-lhe folhas A4 em falta na fotocopiadora, «importa-se de marcar uma consulta na clínica pois desconfio que estou com malária?» Vendo bem as coisas, esta realidade é bem mais séria do que quaisquer piadinhas sobre o sexo dos mosquitos postados no blogue de um autor momentaneamente febril.

Os mosquitos tocam sempre duas vezes?

Finalmente sei o que, em malariês, quer dizer «dois por campo». As observações microscópicas sobre os diversos campos de visão numa lamela de vidro onde jaz o sangue retirado com uma guilhotina anã da ponta do meu indicador direito, urrrhh, deram conta da existência, em média, de dois bichinhos. Sendo, apesar de tudo, sinal da pouca fertilidade do solo, a leitura aqui deste lavrador é a de que houve, pelo menos, dois mosquitos que conseguiram ultrapassar a, aparentemente, vã barreira do repelente com que costumo besuntar o cocuruto, as pontas das orelhas, as costas das mãos, os braços até ao cotovelo e as mangas das camisas quando me esqueço e as desarregaço. Embora desconhecendo a longevidade média dos mosquitos angolanos, atrevo-me a considerar que não terão sido os mesmos de há nove meses atrás. Quando muito, terão sido as suas descendentes.

domingo, 15 de março de 2009

Esquecer de respirar

Um homem, conhecido por esquecido, deixou o seu bebé de nove meses dentro do carro enquanto trabalhava. Ao fim de três horas, o esquecimento transformou-se em fatalidade. À distância que esta notícia me toca, interrogo-me se também se esquecerá de sofrer.

sábado, 14 de março de 2009

O último excomungado

Menina violada abortou e a mãe foi excomungada. Queixas contra abusos do clero aumentaram. Duas notícias de sentido epistolarmente antagónico. Mas só aparentemente. Afinal, tanto um caso como o outro comungarão da mesma sagrada leitura. A de que o crime compensa. Valha-nos Deus. Pelo menos enquanto não o excomungarem também.

quinta-feira, 12 de março de 2009

Estado Falhado de Sucesso

O relatório do Global Witness sobre a responsabilidade da banca mundial no empobrecimento de Angola é impressionante. Tanto due dilligence para, afinal, acabar a financiar-se mais corrupção. E 1,7 mil milhões de dólares que, todos os anos, ficam por contabilizar nas contas do Tesouro angolano, é obra. A mesma que tem falhado a este país viciado em desvios. Comparado com isto, até Madoff julgará ter atenuantes.

quarta-feira, 11 de março de 2009

Um país criativo

Presidente da República pede parcerias criativas. O Presidente da República, José Eduardo dos Santos, anunciou ontem, em Lisboa, que “Angola está muito interessada em definir as parcerias com o sector privado luso que sejam criativas, que produzam resultados e que sirvam para resolver problemas dos respectivos povos”, in Jornal de Angola, hoje.

A semana passada, ao chegar ao trabalho, verifiquei que o jipe com que nos últimos meses me tenho arrastado pelo trâfego de Luanda tinha o pneu traseiro do lado direito vazio. Depois de levado à oficina com quem mantemos uma parceria para as reparações da frota automóvel, devolveram-mo, «pronto», no próprio dia. Hoje ao fim da tarde, à chegada a casa, reparei que tinha o pneu dianteiro do lado direito vazio. Não é por nada, mas receio bem que este possa ser um exemplo das tais parcerias criativas.

terça-feira, 10 de março de 2009

Me too

Para já, algures entre a previsível boçalidade com que a blogosfera tuga que li acompanha a visita do presidente angolano a Portugal, eis o meu post preferido.

segunda-feira, 9 de março de 2009

Catorzinhas

A primeira vez que ouvi falar de catorzinhas foi num obscuro jantar que reuniu uma mescla de colegas de trabalho e amigos de colegas de trabalho. Mantendo o mesmo tom de caserna em que o dito jantar decorrera, lembro-me que alguém afiançara que o «broche» de uma miúda de catorze anos seria o elixir do que considerava a juventude dos seus quase sessenta. Em diversas outras ocasiões e mais ou menos veladamente, assisti por aqui à repetição do testemunho do mesmo pretenso teen-rejuvenescimento, principalmente na versão do homem-casado que tem uma ou várias jovens namoradas-por-conta. Na opinião de um deles, profissionalmente próximo e por isso julgando-se isento de licença prévia para opinar, trata-se de um modelo familiar que exemplificará a reivindicada maior «felicidade» do homem africano face à monogâmica fidelidade ocidental. Sabendo-o pai de três filhas menores, fico sem saber se se referirá também aos genros. Já antes de ler Pepetela havia percebido que, por aqui, as jovens amantes tenderão a ser apetecíveis divisas que enfeitam lapelas, não apenas de generais e de todo o tipo de praças locais, mas também de expatriados facilmente seduzidos pela proverbial maior impunidade africana. A virilidade de cada um passa a medir-se pela quantidade de crianças que coleccionam, não havendo por isso, certamente, lugar a um grande rigor na selecção da idade de cada uma. O que poderá significar catorze, treze, doze, onze, dez, até menos anos, para estes felizardos? Porventura, passarem a ter de se preocupar com fraldas, chuchas ou barbies e a integrarem inesperados ménage à trois. Claro que nenhum destes homens felizes ignorará que se estará a aproveitar da miséria instalada e que o que estarão por aqui a praticar, facilitar ou fomentar é crime, mesmo que não penalizado em Angola. E que essa felicidade terá, afinal, um outro nome. Pedofilia. E que não adiantará justificarem-se com costumes ancestrais forjados na natural preponderância do número de fêmeas, com históricos hábitos da maior disponibilidade africana para os jogos corporais, ou ainda, aos propensos a uma intervalada maior intelectualidade, a defenderem-se nos valores culturais do país, pelo simples facto de que a essência de qualquer cultura está em colocar-se, sempre, as pessoas em primeiro lugar. Mas sabe-se também como, ao longo dos tempos, a hipocrisia sempre demonstrou ser o maior obstáculo da civilização.

domingo, 8 de março de 2009

Mulherio II

Excomunga-se uma criança de nove anos de idade por ter sido violada, toda a equipa médica que lhe fez o aborto, mas não o violador. Por isso não estar previsto nas regras da casa, segundo o homem (?) do momento no Brasil, o bispo de Olinda e Recife. E não se pode exterminá-lo?

Mulherio

Na terra das catorzinhas e da poligamia quase constitucional, o respeito pelas mulheres é tal que até o facto do seu Dia Internacional calhar a um domingo obriga a passar-se o feriado para o dia seguinte.

domingo, 1 de março de 2009

Amor,
Vejo-te na cama, a rebolar de êxtase com o Lobo Antunes que finalmente conseguiste acabar de ler, a perseguir com uma ameaçadora tesoura minúscula as unhas dos meus pés roídos de medo, a pedir que te esfregue pela enésima vez o creme nas costas salgadas pelo sol, a chamar-me para ti naqueles convites gestuais que fazes com o corpo e aos quais me habituaste a não resistir. Vejo-te sentada no pequeno cadeirão onde o Messenger permite caberem também as nossas filhas com quem continuas o jogo de confidências que diminui as distâncias, a levantar de lá o nariz com os óculos roxos de ver-ao-perto içados a meio para me lançares um comentário qualquer que facilmente esqueço por me ser sempre mais fácil fixar-te os gestos, a dobrar a minha roupa interior cada vez mais esburacada pelo queimar do sabão que dizes ter de enxaguar melhor antes de a pôr a secar. Vejo-te à janela a apreciar Luanda e a dizeres-me que pareces estar no paraíso simplesmente porque estás comigo, ouço-te calar pela jaula em que ficas todo o dia e que transformas em biblioteca até ao meu regresso ao final da tarde, sinto o conforto de me assegurares não querer depois sair à rua por não nos interessar a noite dos outros. Vejo-te a substituir-me no lavatório das peúgas e das t-shirts dos meus joggings matinais subitamente cheirosas e rejuvenescidas, no chuveiro a tomar o meu lugar a puxar a cortina de plástico para evitar que os espirros da água contaminem o chão, a segurar a emergência do toalheiro de arame que insiste em despregar-se da parede. Vejo-te em sítios de que não me lembro de te ter visto, dentro do guarda-fatos, do frigorífico, do televisor, no comando do ar-condicionado, na chaleira que deixou de ser usada, nas cruzetas das camisas que dependuravas passadas e espaçadas e que agora voltaram ao reboliço do tudo-ao-molho, vejo-te no corredor, na espera do elevador, na contagem dos degraus das escadas, nas pessoas que já não me sorriem porque tu já não as cumprimentas, vejo-te a meu lado a rir-te do trôpego do trâfego e da patética pressão dos arrumadores, a confortares com o olhar o de todos os pedintes e estropiados que nos cercam nas ruas, a alinhares comigo as pegadas na areia quente e fina do Cabo Ledo e do Mussulo, a calcorrearmos juntos as linhas da maré perante o espanto dos caranguejos que se transformam em bólides de aceleração lateral rumo à vazante, a deixarmos as ondas tirar-nos as roupas para podermos nadar nus naquela praia quase deserta, a sentir que o teu corpo continua a querer refugiar-se no meu para lá dos efeitos de todas as correntes que já atravessámos juntos e a desejar fazer amor contigo naquela barraca de canas que agora me parece um palácio.