
Cenário 1. Luanda, capital de Angola. As sete e meia daquela tarde pareceram-me uma boa hora para dar por concluído o trabalho, chamar o motorista e tomar o caminho de regresso ao hotel, num percurso que habitualmente demora cerca de um quarto de hora mas que acabaria por se estender por mais duas horas e meia, porque o presidente desta República decidiu ir visitar o centro da cidade e, já se sabe, a sua guarda pretoriana fez parar o mundo num raio de vários quilómetros terrestres, marítimos e aéreos. Como o pobre do motorista lamentásse mais um outro tempo de espera até chegar ao gindungo que, certamente, o esperaria à mesa de casa, convidei-o para jantar num restaurante perto da marginal e do meu destino. Amesentados na esplanada, numa noite inundada de motoristas esfomeados e na expectativa dos dois
pregos-à-moda-da-casa, conseguiu-se uma cerveja ao fim de vinte e cinco minutos. Pão? Manteiga? Azeitonas? Nickles! Das três idas ao balcão para incentivar a cozinha, regressava-se com o infrutífero
já-tá-memo-a-sair da praxe. Ao fim de mais 1h15m sai o inesperado cardápio: «
Não vamos poder servir batatas fritas porque o funcionário do economato levou com ele a chave ao sair do serviço». Boa, ficamos a saber que a despensa acumulava com o economato. E então o
prego-sem-batatas-fritas-mas-com-o-bife-e-o-ovo sai? Sai, mas inicia o cozinhado agora mesmo. Felizmente que Sua Excelência já havia regressado aos reais aposentos e o trâfego na marginal melhorara a olhos vistos. Bora lá então pagar o gole da cerveja e atacar já ali o primeiro ovo montado num bitoque da
Portugália. Foi o que nos valeu, pilecas de fome e cansaço. Por volta da meia-noite, o motorista lá conseguiria regressar a casa, se calhar ainda a tempo de malhar no gindungo. Cenário 2. Corunha, norte da Galiza, Espanha. Passeio pelo extenso relvado sobranceiro ao mar, florido e arborizado por esculturas e estatuetas alusivas a lendas gregas. De repente, uma morrinha esfriada pelos ventos do Mar do Norte aparece com o intuto de ensopar as t-shirts daquele par de turistas que, mesmo assim, decide estoicamente prosseguir a odisseia de chegar e subir à Torre de Hércules. Mas mais meia hora de uma oblíqua e cada vez mais forte chuva fazem-nos desistir e entrar no primeiro restaurante aberto nas proximidades. Que se manja?
Lo que quieren. Fica-se então pelo ensopado de mero. Enquanto se espera o cozinhado na hora, fique-se com o pão artesanal mais a indissociável mantequilla, espécie de manual de sobrevivência da restauração europeia, enquanto o polvo galego não faz a sua entrada. Entretanto, o dono acrescentaria ao repasto uma botelha de um vinho igualmente artesão, da sua quinta na fronteira com as Astúrias mas ainda com sabor a Ribeiro e que o cefalópode acabaria por também aprovar.
Muy, muy bien. Logo a seguir chega o mero, a nadar num molho espesso de azeite e de tão deliciosas quão indecifráveis especiarias, tudo escoltado por pimentos verdes e vermelhos para melhor cativar os tugas. No final, uns docíssimos postres caseiros ajudariam a secar a roupa no corpo e deixaram-nos prontos, não apenas para escalar a Torre de Hércules mas igualmente, se necessário, para a conquistar. Também se vêem, assim, as diferenças entre os mundos.