sábado, 22 de março de 2008

Reciclar mentalidades precisa-se!

Tal como Londres com o Big Ben ou o novo Eye, Paris com a Torre Eiffel ou o Sacré-Coeur, Lisboa com os Jerónimos ou as sete colinas, ou ainda o Porto com os Clérigos ou as pataniscas de bacalhau do Abadia, Luanda tem no lixo o seu maior ex-libris. Aliás, o que diferenciará esta das outras capitais é a sua capacidade de replicar ex-libris por qualquer palmo de terreno, seja em terra, no mar ou, necessariamente, no ar. E, no entanto, os angolanos são um povo que nitidamente se preocupa com a aparência, só que, desgraçadamente para a camada do ozono, apenas com a pessoal, pelo que insistim em não incluir o lixo nos respectivos estojos. São assim comuns na vizinhança de quaisquer ruas, avenidas ou auto-estradas, os quadros de pestilentos esgotos a céu aberto, as visões lunares de esventramento de terras e sementeiras de poeira, a colorida sujidade das casotas humanas a que chamam bairros e a democrática decomposição de todo o tipo de carcaças de produtos, de embalagens a carros, tudo isto competindo geralmente com uma anormal qualidade nas roupas ou no calçado dos seus habitantes, quase sempre aparentemente novas e último modelo, mesmo se made in Thailand ou in Vietnam. Ao pé disto, receio até ser confrontado um destes dias com a oferta de esmola por alguém que considere andrajosa a indumentária que utilizo nos meus joggings na marginal da baía de Luanda. A mesma baía que seguramente será o maior reservatório de lixo do país, a avaliar pela quantidade de esgotos que lá desaguam continuamente, num arco-iris de torrentes nojentas que provocam tumultos nos cardumes de peixes famintos, de engodo e de oxigénio, para gáudio das pequenas e certamente cirrosas garças brancas que lá os costumam pastar. Uma outra prova desta inesgotável capacidade de Luanda para produzir detritos está nas brigadas do município que antes de qualquer festividade com presença garantida de notáveis do regime varrem sem pestanejar para o mar os cardápios de lixo que jazem na calçada, solidarizando-se com os vagabundos que por ali habitualmente pernoitam e que há muito se habituaram a esvaziar bexigas e intestinos directamente na baía. Um destes dias, a meio do meu exercício de suor matinal, passei por um militar de um quartel próximo que aproveitou a maré baixa para arrear calças ali mesmo. Vá lá alguém atrever-se a dizer-lhe que foi assim que Angola perdeu a guerra.

2 comentários:

Laura disse...

Mais uns meses aí e, a manter-se o nível, terá seguramente massa crítica para uma colectânea de crónicas.
-Já reparou (repararam) que tudo o que se publica em crónica ou é sobre a espuma passageira dos dias da paupérrima política nacional (que a todos enjoa) ou sobre locubrações umbigais completamente estéreis e desinteressantes, inventadas justamente para disfarçar a falta de tema?

Vá lá, divirta-se mais uns tempos a escrever nos intervalos da "comissão de serviço" e terá êxito garantido no regresso:):):)
Será uma lufada de ar quente (neste caso)!

Roberto Ivens disse...

Laura,

Pois efectivamente tem-me constado que, por aí, as lufadas vão sendo cada vez mais raras...