quinta-feira, 31 de julho de 2008

Diferenças entre os 1º e 3º mundos

Cenário 1. Luanda, capital de Angola. As sete e meia daquela tarde pareceram-me uma boa hora para dar por concluído o trabalho, chamar o motorista e tomar o caminho de regresso ao hotel, num percurso que habitualmente demora cerca de um quarto de hora mas que acabaria por se estender por mais duas horas e meia, porque o presidente desta República decidiu ir visitar o centro da cidade e, já se sabe, a sua guarda pretoriana fez parar o mundo num raio de vários quilómetros terrestres, marítimos e aéreos. Como o pobre do motorista lamentásse mais um outro tempo de espera até chegar ao gindungo que, certamente, o esperaria à mesa de casa, convidei-o para jantar num restaurante perto da marginal e do meu destino. Amesentados na esplanada, numa noite inundada de motoristas esfomeados e na expectativa dos dois pregos-à-moda-da-casa, conseguiu-se uma cerveja ao fim de vinte e cinco minutos. Pão? Manteiga? Azeitonas? Nickles! Das três idas ao balcão para incentivar a cozinha, regressava-se com o infrutífero já-tá-memo-a-sair da praxe. Ao fim de mais 1h15m sai o inesperado cardápio: «Não vamos poder servir batatas fritas porque o funcionário do economato levou com ele a chave ao sair do serviço». Boa, ficamos a saber que a despensa acumulava com o economato. E então o prego-sem-batatas-fritas-mas-com-o-bife-e-o-ovo sai? Sai, mas inicia o cozinhado agora mesmo. Felizmente que Sua Excelência já havia regressado aos reais aposentos e o trâfego na marginal melhorara a olhos vistos. Bora lá então pagar o gole da cerveja e atacar já ali o primeiro ovo montado num bitoque da Portugália. Foi o que nos valeu, pilecas de fome e cansaço. Por volta da meia-noite, o motorista lá conseguiria regressar a casa, se calhar ainda a tempo de malhar no gindungo. Cenário 2. Corunha, norte da Galiza, Espanha. Passeio pelo extenso relvado sobranceiro ao mar, florido e arborizado por esculturas e estatuetas alusivas a lendas gregas. De repente, uma morrinha esfriada pelos ventos do Mar do Norte aparece com o intuto de ensopar as t-shirts daquele par de turistas que, mesmo assim, decide estoicamente prosseguir a odisseia de chegar e subir à Torre de Hércules. Mas mais meia hora de uma oblíqua e cada vez mais forte chuva fazem-nos desistir e entrar no primeiro restaurante aberto nas proximidades. Que se manja? Lo que quieren. Fica-se então pelo ensopado de mero. Enquanto se espera o cozinhado na hora, fique-se com o pão artesanal mais a indissociável mantequilla, espécie de manual de sobrevivência da restauração europeia, enquanto o polvo galego não faz a sua entrada. Entretanto, o dono acrescentaria ao repasto uma botelha de um vinho igualmente artesão, da sua quinta na fronteira com as Astúrias mas ainda com sabor a Ribeiro e que o cefalópode acabaria por também aprovar. Muy, muy bien. Logo a seguir chega o mero, a nadar num molho espesso de azeite e de tão deliciosas quão indecifráveis especiarias, tudo escoltado por pimentos verdes e vermelhos para melhor cativar os tugas. No final, uns docíssimos postres caseiros ajudariam a secar a roupa no corpo e deixaram-nos prontos, não apenas para escalar a Torre de Hércules mas igualmente, se necessário, para a conquistar. Também se vêem, assim, as diferenças entre os mundos.

4 comentários:

Laura disse...

Em atmosfera com prenúncio impaciente de férias (este ano, para mim, nunca mais arrancam!);
No lastro impaciente feito de dias tórridos (às vezes molhados) e também de noites estranhamente frias,
(que tempos estes! Razão tem o Al Gore...)
pergunto-me:

- Como será Agosto em Luanda?
…….
(Não sei porque me pus com estes prolegómenos…mas assaltou-me agora a curiosidade!.)

O que eu queria mesmo, mesmo era deixar este link para que lesse
…….http://www.haloscan.com/comments/ulam/6295974243266763296/
"Caí" nele depois de ler aqui
http://anaturezadomal.blogspot.com/
um post sobre o já célebre artigo da Helena Matos no Público
É que me lembrei do seu blogue, apenas pela ironia da diversidade de vivências (porém, nas mesmas terras)!

Roberto Ivens disse...

Laura,

Agosto, em Luanda, é sinónimo de Inverno, com gente, local, a estrear noctívagos casacos de cabedal e outros, de vez em quando, a suspirar pelos pulôveres deixados nos locais de origem. A mesma diferença meteorológica que não me terá permitido ler o que HM escreveu no Publico. O que lamento, pois sempre gostei de presenciar os exercícios de redução do tórrido à frieza de um artigo de jornal...

Anónimo disse...

Só imagino o que faria Hércules no Portugália!
Abs.,
Carlos

Roberto Ivens disse...

Carlos,

Seguramente, trincaria rissóis e croquetes...