domingo, 24 de agosto de 2008

Férias de Angola III

Calcorrear em Agosto o Porto, que decidiu há tempos deixar de ser Feliz, é reencontrar os fantasmas de que persistimos em julgar ter sido salvos. Afinal, eles continuam lá. Nos bancos dos poucos jardins, nas esquinas das muitas ruelas, nas paredes de casas e muros desertos, nos abrigos imundos de lugar nenhum, a um canto dos enormes ventres urbanos que são a rotunda da Boavista, os Aliados, o Marquês, o Carregal, as Antas, os Poveiros, a Lapa, enfim, em todos os locais onde haja carros para arrumar uma moedinha. Continuam a olhar-nos com a mesma passividade adormecida de sempre, como se todos não passássemos, afinal, de algibeiras andantes que de vez em quando se lhes estacam para tilintar um remorso qualquer. Quando se lhes olha de frente percebem-se os rostos magníficos, para lá das pupilas que há muito deixaram de ver, das orelhas que já só escutam o que o vício lhes grita, das vozes roucas por tanto chamarem a liberdade que se foi, dos gestos da face que jazem mortos nas rugas, tudo assim camuflado numa penumbra de humanidade. Creio que jamais se filmou isto tão bem como aqui.

1 comentário:

isabel disse...

Um abraço mui grato pelo que acabo de ler !