segunda-feira, 9 de março de 2009

Catorzinhas

A primeira vez que ouvi falar de catorzinhas foi num obscuro jantar que reuniu uma mescla de colegas de trabalho e amigos de colegas de trabalho. Mantendo o mesmo tom de caserna em que o dito jantar decorrera, lembro-me que alguém afiançara que o «broche» de uma miúda de catorze anos seria o elixir do que considerava a juventude dos seus quase sessenta. Em diversas outras ocasiões e mais ou menos veladamente, assisti por aqui à repetição do testemunho do mesmo pretenso teen-rejuvenescimento, principalmente na versão do homem-casado que tem uma ou várias jovens namoradas-por-conta. Na opinião de um deles, profissionalmente próximo e por isso julgando-se isento de licença prévia para opinar, trata-se de um modelo familiar que exemplificará a reivindicada maior «felicidade» do homem africano face à monogâmica fidelidade ocidental. Sabendo-o pai de três filhas menores, fico sem saber se se referirá também aos genros. Já antes de ler Pepetela havia percebido que, por aqui, as jovens amantes tenderão a ser apetecíveis divisas que enfeitam lapelas, não apenas de generais e de todo o tipo de praças locais, mas também de expatriados facilmente seduzidos pela proverbial maior impunidade africana. A virilidade de cada um passa a medir-se pela quantidade de crianças que coleccionam, não havendo por isso, certamente, lugar a um grande rigor na selecção da idade de cada uma. O que poderá significar catorze, treze, doze, onze, dez, até menos anos, para estes felizardos? Porventura, passarem a ter de se preocupar com fraldas, chuchas ou barbies e a integrarem inesperados ménage à trois. Claro que nenhum destes homens felizes ignorará que se estará a aproveitar da miséria instalada e que o que estarão por aqui a praticar, facilitar ou fomentar é crime, mesmo que não penalizado em Angola. E que essa felicidade terá, afinal, um outro nome. Pedofilia. E que não adiantará justificarem-se com costumes ancestrais forjados na natural preponderância do número de fêmeas, com históricos hábitos da maior disponibilidade africana para os jogos corporais, ou ainda, aos propensos a uma intervalada maior intelectualidade, a defenderem-se nos valores culturais do país, pelo simples facto de que a essência de qualquer cultura está em colocar-se, sempre, as pessoas em primeiro lugar. Mas sabe-se também como, ao longo dos tempos, a hipocrisia sempre demonstrou ser o maior obstáculo da civilização.

4 comentários:

Clara disse...

É de facto uma vergonha e concordo plenamente com a forma como expôs toda esta sordidez. Estes homens aproveitam-se sem sombra de dúvida, da miséria em que estas crianças/mulherzinhas vivem e da complacência legal deste tipo de situação. E para eles, estar com estas catorzinhas é um grande orgulho. Perdoe-me a franqueza, mas para mim estes tipos não passam de uns nojentos sem alma.
Gostava de saber como reagiriam se isto acontecesse com as filhas deles.
Abraços

Roberto Ivens disse...

Clara,

Suspeito que isto seja gente aprumada e que, lá em casa, há muito tenha declarado o conflito de interesses...

Anónimo disse...

Em 97 fiz parte de duas comissões de investigação nomeadas pelo Representante do Secretario Geral das Nações Unidades em Angola, para averiguar do eventual abuso das catorzinhas por militares dos diversos contingentes estacionados em Angola. Foram calcorreados muitos quilometros, ouvidas dezenas de pessoas, principalmente na cidade de Viana. Acreditem que ninguém teve coragem para denunciar um único caso. Ficamos por uma carta anónima de um bispo de uma igreja que provavelmente não existia. Foi grande a frustação, acreditem.

Roberto Ivens disse...

AF,

Obrigado pelo testemunho. Creio que a (aparente) aceitação local desta prática favoreça o seu encobrimento. Por outro lado, é no generalato que ela é mais propalada, logo...