terça-feira, 14 de abril de 2009

Vá para fora cá dentro

Em viagem recente a Cabinda, a inconveniência da recordação da frase-tipo do turismo interno português que titula este post tornou-se perceptível logo à chegada ao aeroporto doméstico de Luanda. O voo, marcado para as 10h da manhã, havia passado para o meio-dia sem qualquer aviso prévio. Uma interrogação tuga junto de cinco funcionários displicentemente alojados num cubículo que albergava também uma secretária e duas cadeiras e cujo arquitecto certamente idealizara para recolher baldes, vassouras e esfregonas, teria direito a um lacónico mas esclarecedor «porque não há avião». Em meu redor, o que momentos antes era fila para o check-in transformara-se num tranquilo amontoado de malas sentadas por passageiros esclarecidamente dispostos a ali passarem duas horas de suculento dolce far niente. No regresso a Luanda, dois dias depois, Dia do Pai e véspera da visita do Papa a Angola, o reconfirmado voo das 15h respeitaria os atrasos do costume. 15h15m. 15h30m. 15h45m. 16h. Ouvi alguém a meu lado, certamente candidato a vidente, bufar que o avião, se calhar, «atrasou-se ao sair de Luanda». 16h15m. 16h30m. Por esta altura o vidente aperfeiçoava a técnica, «se chegar aqui muito tarde pode já não levantar porque este aeroporto não tem luzes na pista». 16h45m. 17h. 17h15m. A partir daqui, as preocupações dos restantes passageiros, na sua maioria, aparentemente, peregrinos de Bento XVI, sintonizaram-se com as do vidente, estranhando que o mais moderno aeroporto regional de Angola não possuísse ainda luzes de sinalização na pista. 17h30m. 17h45m. Daí a pouco um avião da TAAG aterraria, indo desaguar mesmo junto às montras da sala de embarque, onde cerca de cento e cinquenta pares de olhos, sem contar com os das bagagens, já vigiavam as saídas dos passageiros e das malas que gostariam de revezar, entre o impaciente e o expectante de que essa muda se fizesse antes do ameaçador pôr-do-sol. Logo a seguir, como que para manter acesa a chama da esperança, os altifalantes do aeroporto alumiaram. «Senhores passageiros do voo para Luanda, queiram dirigir-se para a porta de embarque», o que rapidamente provocou a formação de uma fila... enfim, angolana. Mas o relógio pareceu continuar surdo. 18h. 18h15m. 18h30m. Um pouco antes das 18h45m surgiu à porta de entrada, vindo da pista, um sujeito a anunciar que «o avião levanta amanhã às 5h da manhã». Depois disto, aconteceu algo absolutamente extraordinário. Em menos de três minutos, 95% dos passageiros abandonaram a sala de embarque do aeroporto, não se incomodando em saber das razões para o cancelamento do voo que haviam comprado ou, sequer, em reclamar, exigir, insultar, pontapear, esmurrar, quiçá, garrotear, como antigamente se fazia e modernamente por vezes apetece, o mensageiro daquela desgraça. Seria, então, a um pequeno grupo de inconformados expatriados e quadros superiores de um ministério de Luanda que o mesmo corajoso controlador de voo do aeroporto, substituindo-se à tripulação ignorante da Convenção de Varsóvia, acabaria por justificar, ao fim de meia hora de contactos telefónicos, que «a senhora directora regional da TAAG não tinha instruções» para custear as despesas de hotel dos passageiros que teriam de pernoitar em Cabinda. Logo saltaria da tampa tuga uma sugestão de placard para o turismo interno angolano. Vá para o inferno cá dentro.

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