Há quinze dias em Luanda, jamais me passou pela cabeça encontrar por aqui um conhecido, mesmo que desconhecido em Portugal. Um amante do jogging que, como eu, fazia a marginal há anos, cruzando-nos em passadas tão suadas quanto mudas. Ainda a experimentar por aqui os novos passos de um velho hábito, dei de caras com ele com a surpresa de quem repara num adereço fora do lugar. Já não na coreografia do Atlântico bem mais a norte, mas nesta bela e mal cheirosa baía da capital angolana, cujos vapores sustenho com dificuldade e que acrescentam uma falsa sensação de endurance ao esforço que ponho na corrida.
Na volta, parei para o cumprimentar. Disse que também me havia reconhecido, muito embora com a hesitação de quem se interroga se a simples alteração de cenários justificaria uma sociabilidade há tanto tempo suspensa. Contrariamente a mim, era um habituée de Luanda, que conhecia ainda dos tempos da colonização portuguesa, no seu entender um must quando comparado com os actuais. No que começa a ser um curioso standard opinativo para a maioria dos portugueses que vou conhecendo por aqui, mesmo para os que nunca conheceram a Angola do antes da independência. O que não deixa de ser uma particularidade muito nossa, esta de ter opinião sobre o que verdadeiramente não conhecemos muito bem.
Faz lembrar Miguel Esteves Cardoso e uma sua crónica, plena de explicação sociológica, de há muitos anos atrás. Escrevia ele que existirá em Portugal um verbo que não se aprende nas escolas, o «sóssaber», utilizado sobretudo nas respostas aos inquéritos de rua das TV’s. Qualquer que seja a pergunta --- «É a favor do referendo prévio à Constituição Europeia?» ou «Fará algum sentido investir, simultaneamente, num novo aeroporto e no TGV quando ambos são meios de transportes antagónicos?» --- a resposta tenderá a ser a mesma: «Olhe, eu desse assunto não percebo nada, "só sei" é que isto anda cada vez pior»...
1 comentário:
Gostei do estilo. ESpero que seja um diário.
Virei espreitar ler e disfrutar...
Obrigada pelo convite
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