sábado, 10 de novembro de 2007

Scanners do costume

Um destes dias, fui acompanhado na parte final do meu jogging matinal pelo que me pareceu ser um dos malucos que habitam na marginal da baía de Luanda, que costumo ver a enrolarem-se na areia suja de gasolina e outros detritos antes de se lançarem em estranhas acrobacias nas águas do mar, mais sujas ainda do que a sujidade que mergulha com eles. Pareceu-me ser um dos malucos mas não tenho a certeza. Este início de vivência em África tem sido fatal para a minha habitual fulminância visual, levando-me a questionar se não estarei a perder faculdades. Dantes, sentia-me intimamanete confortado com as apreciações sensoriais sobre quem via à minha volta: ricos, pobres, humildes, petulantes, inteligentes, ignaros, esfusiantes, acabrunhados, pacíficos, violentos, todos eram normalmente scaneados e classificados num confortável intervalo de confiança. Pelo contrário, tem-me custado ter idênticas certezas por aqui.

Há especialistas em rostos que afiançam que os negros são todos iguais. Ao que estes reagem com a mesma convicção de que também o serão brancos, chineses, indianos, árabes, indios, aborígenes, esquimós e marcianos. Muito embora não me arrisque a tanto, dou por mim a pensar na minha notória maior dificuldade em distinguir os indivíduos das multidões de Luanda. Dificuldades não extensíveis a todos os grupos, já que alguns se fazem sobressair naturalmente, como os que vestem fatos de casas de costura, empunham relógios de marca, ou conduzem modelos de automóveis que sei não existirem à venda por aqui. Pertencerão certamente aos grupos das elites, com poder e influência para se abastecerem em Joanesburgo ou Lisboa. Com estas o meu velho scanner visual não se engana: são os mesmos do costume.

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