sábado, 7 de junho de 2008

Cabinda

Desconhecia-se-lhe o verdadeiro nome, a idade, donde vinha, se tinha família, se era mesmo mudo, ou como aparecera por ali. Sabia-se, apenas, que se dava pelo nome de Cabinda. Vivia do lixo que encontrava amontoado nas traseiras dos restaurantes próximos ou do que lhe davam os comerciantes de fruta das redondezas, o que na maioria dos casos pouca diferença haveria, tinha o lar montado entre as traves enferrujadas de uma antiga cabine telefónica no que também já fora um passeio de calçada à portuguesa e, como rondava permantemente as ruas do bairro e era solícito em atender a qualquer pequeno recado, os vizinhos faziam de conta que lhes tomava conta dos carros e sustentavam-no a moedinhas de notas de kwanzas. Uma noite, um condutor embriagado saltou o passeio onde ele dormia e obrigou a vizinhança a fazer uma chamada de urgência para o hospital mais próximo. Lá chegados, não saber o nome do paciente ameaçou perigar ainda mais o que se temia ser um traumatismo craniano. Surpreendentemente, Cabinda levantou a volumosa carapinha ensanguentada da maca e soletrou o seu verdadeiro nome, anexando vários apelidos de forma tão pausada quão consciente. No dia seguinte, os que quiseram seguir este folhetim haveriam de ser informados de que, afinal, apenas sofrera algumas escoriações. E de que acordara cedo para tomar um duche, pedir que lhe fizessem a barba e emprestassem roupa lavada, matabichar o que havia para pequeno-almoço e desaparecer para nunca mais ser visto por aquelas bandas.

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