domingo, 29 de junho de 2008

Uma questão de limpeza

«Está limpo». Foi assim, sem mais, como quem anuncia a independência a um drogado ou a salvação a um condenado à morte que já cheirava o esturro, que o médico me informou que deixara de ter paludismo. Soprei mais uma valente nota no trombone da tosse seca que me acompanhava há já duas semanas e vim embora pouco convencido da limpeza, mesmo que certificada pela análise das três gotas de sangue que me haviam retirado meia hora antes. Como sempre nestas ocasiões, fui para lá com cara de enterro, próprio de quem antecipa a sugestão da entrada de uma agulha na pele, numa impressão ainda mais dolorosa do que a de passar uma barra de tijolo pelos dentes. Ahrrr. Esta coisa de ir para lá a mostrar receio pelas picadas de agulhas até que costuma ser um sucesso entre as enfermeiras, que invocam velhos adágios sobre a cobardia dos homens perante certas minudicências para logo prometerem meiguices que, nalguns belos casos, infelizmente, não cumprem. Pode até parecer mariquice, mas não consigo ultrapassar a sensação da natureza antagónica das matérias que se juntam no acto do picar de uma agulha, aço e pele, que me causam os maiores arrepios e que, mesmo que depois dali saiam rios de sangue, já não chegam a incomodar-me mais no alívio do princípio do fim da picada. Sem grandes ilusões, até por não haver enfermeiras à vista, quando entrei para o check out da malária pedi apenas que me salvassem de voltarem a picar-me na ponta do indicador, condescendendo os meus carrascos na escolha do médio. Enquanto faziam de conta que não percebiam o gesto que lhes fazia com os dedos, virei a cara para o lado, como sempre faço, fingindo apreciar os posters da publicidade médica colada nas paredes. A avaliar pela nudez daquele gabinete de enfermagem, fiquei com a impressão de que Angola não andará nos rankings mundiais dos laboratórios farmacêuticos, se calhar porque não quererão perder tempo a comissionar receituários para o fraco poder de compra das cerca de 15 mil pessoas que todos os anos por aqui morrem com a malária e o HIV. Quando saí dali, trouxe comigo a sensação de que nunca estamos verdadeiramente limpos de alguns dos lixos do mundo.

8 comentários:

Laura disse...

Então? Queria estar em África e só ter o filet mignon?! :):)
É assim, mais tarde ou mais cedo, o mal dos trópicos ataca, 'noblesse oblige'!

Votos de melhoras irreversíveis
e... tome litradas de água tónica (com ou sem gin, mas a mistura joga bem com o equador)
Tem imenso quinino!
- Sabia? :)

PS- Aqui admitem discos pedidos dos leitores (mesmo sem saber a frase)?
Então lá vai:
- Pode substituir a imagem, pleeeeeeeeease?! Sorry, "almost puking":(:(

Roberto Ivens disse...

Laura,

Desde que cá estou que sou um bom consumidor de água tónica, pelo que desconfio que terei de fazer queixa da schweppes...

Quanto à foto, reconheço que será bem pior que trincar uma fatia de tijolo...

yes! my love! disse...

pois do que eu mais gostei foi mesmo da foto ;)

só não me conformo por não serem duas,

falta uma com o escorpião/macho e sua infeliz vítima/fêmea;

assim não vale :(

Laura disse...

Bem... a foto é daquelas que não consegue sair da retina, pelo... pelo... Olhe, pelo todo horroroso, pronto!
Só mesmo se com muita imaginação levarmos isso para o campo dos signos astrológicos...

Quanto à schweppes, reclame pois:) porque embora não seja a marca que eu consumo, também tem quinino de certeza!
É o quinino que lhe dá o sabor amargo. E os efeitos medicinais são o que lhe deram o próprio nome de "tónica".
Há-de reparar que na discoteca, por exemplo (debaixo dos ultra-violeta, salvo erro) o líquido fica fosforescente:):)

Enfim, a denúncia era pior se fosse outro líquido…

Roberto Ivens disse...

YML,

Vale seguir o link

http://blog.uncovering.org/archives/2007/05/campanha_france.html

e terá o seu desejo satisfeito...

Roberto Ivens disse...

Laura,

Espero que os (meus) mosquitos não estejam fidelizados à Schweppes...

yes! my love! disse...

Pois é, pois é... o melhor mesmo será não ter o desejo satisfeito ?

também não estou a ver como é que esta Bela se poderá defender do Monstro, sem renunciar pura e simplesmente (?) ao prazer ~~

pelo menos não, até ao dia em que os "infectados" se conheçam pelo olhar ou pelo sorriso ou pela voz ~~

Até lá, há mesmo "sexo proibido" / sexo para o qual não existe protecção possível!

E entre ter uma vida segura, sem sexo seguro,

e uma vida insegura, com sexo inseguro, quem irá optar SEMPRE pela primeira ?

Obrigada pelo link! Valeu!

yes! my love! disse...

No meu comment anterior, o que eu queria perguntar era :

"(...) entre ter uma vida segura sem sexo, ou só com sexo seguro, e uma vida insegura, com sexo inseguro, quem irá optar SEMPRE pela primeira ? "