sexta-feira, 5 de junho de 2009

AF 447

Todas as vezes que levanto voo tento abstrair-me daquela estranha dor de rins que insiste em pregar-me ao solo e pensar em qualquer outra coisa que me retire da insustentável leveza de estar naquele momento cintado a um avião. Acabo quase sempre por me concentrar em tentar adivinhar a metodologia dos que, em meu redor, utilizam as suas próprias estratégias de diversão, procurando ausentar-se nos livros, nos auscultadores, na TV, no forcing do sono, ou, simplesmente, em rebater a cabeça no banco da frente. É nestas ocasiões que acabo por invejar os que resolvem tudo isto com um furtivo benzer de dedos nos vértices de um triângulo fantasma. Afinal, cada um cozinha a fuga com os condimentos de cada qual. Dou por mim a pensar nisto enquanto vejo na TV o pai de uma das vítimas do voo AF 447 da Air France a reclamar a ida ao local do acidente, onde acredita poder ainda haver sobreviventes. O que resgato desta esperançada reclamação paternal é, afinal, a presença daquela mesma angústia sentida aquando do levantamento dos meus voos, agora, certamente, bem mais nua, gelada, pesada, sufocante, vertiginosa, irreversível, definitiva, já sem espaço para quaisquer manobras de diversão. Porque aí, desgraçadamente, passa a ser mesmo a doer. Paz às suas almas.

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