terça-feira, 22 de janeiro de 2008

Herói de pés-de-barro confessa-se

Nas vésperas do regresso a África após umas férias de Natal prolongadas pela demora na emissão de vistos que acrescentaram a burocracia às delícias das rabanadas e do bolo-rei, encontrei-me com ex-colegas de trabalho desejosos de me ouvirem relatar o que tem sido este desafio angolano. Para lá das questões profissionais, percebi a curiosidade pela ousadia de me ter estabelecido, mais com bagagens do que com armas, por terras dos Cus de Judas. E finalmente descobri uma imagem de aventureiro que até então não sabia ter. Entre pares que se arrastam num carrosel de cargos cada vez mais enclinados, equilibrismos hierárquicos, aumentos-abaixo-da-inflação, anos-que-faltam-prá-pré-reforma, gestão de novos-projectos tão consabidos quão requentados, mais uma interminável porrada de ressabiados novos-desafios, reconheci-me na tela do herói que ousara bater com a porta no nariz da rotina, levantar amarras do tédio do dia-a-dia alcatifado da zona de conforto de cada um e zarpar rumo a um mundo desconhecido mas certamente povoado de aliciantes descobertas e recompensas que, estranhamente para mim, descobri habitar nalgumas daquelas cabeças. Na minha, neste martirizado puzzle existencial que tem sido o meu dia-a-dia, confesso que apenas subsiste uma casa banhada pelo Inverno da Armona, o deserto descalço da praia que se calcorreia em kilómetros de areia atapetada, o apinhado das ondas quentes e tímidas do sotavento, a revisita aos livros de Sartre e aos de todos os outros que vale a pena reler durante os alaranjados fins de tarde das varandas de Tavira, enfim, o calor dos dias perdidos com as minhas mulheres, o tremor das noites empatadas com a mais velha delas e a sensação de vitória de ter sobrevivido à ausência de tudo isto. Coisa pouca para um nomeado para herói, já se vê.

3 comentários:

non! mon amour! disse...

"(...)e a sensação de vitória(...)"

esta é a única sensação pela qual vale a pena viver e morrer - com ela dentro de nós, bem dentro de nós!

Pouco importa se existe um por quê, ou um por quem ~~ terão sido muitos, tantos, ou nem por isso...
mas um só Herói :) - o nosso coração!

E nada como um paraíso assim tão para-tropical para acolher o descanso do guerreiro :)

Roberto Ivens disse...

n.n.a.,

Asseguro-lhe qem tido muito pouco descanço este guerreiro. Já para não falar da falta de pedicures que há por estes lados...

non! mon amour! disse...

Aé? nun tem mesmo ? nesse caso precisa improvisar sem se "cançar" :) muito ~~

e tem aqui um excelente exemplo d' "improviso" que cura :)

do genial compositor de Dom Quixote!

http://www.youtube.com/watch?v=6BBdMFuwn4Q