domingo, 7 de setembro de 2008

Memória de uma frase batida

Confesso não ter muita motivação para fazer análise sobre as eleições em Angola, estas, as próximas e as que se lhes vierem, se vierem, a seguir. Por correr o risco de não acertar com as pinceladas certas num quadro que se parece com os de Noronha da Costa. Também por ter noção de transportar no olhar, como sobre tudo o que vejo por aqui, a inevitável sombra de um certo eurocentrismo e, assim, recear não poder cumprir, como me esforço sempre por fazer, a recomendação de Mizoguchi. «Deve lavar-se os olhos entre cada olhar». Daí preferir continuar a fixar-me na paisagem emotiva do filme do meu dia-a-dia em Angola e na relação com os seus principais actores. As pessoas. Quanto às eleições angolanas, como de resto ao déjà-vu da vida política local, fazem-me sempre vir à memória uma frase batida. «O caminho faz-se caminhando». Acrescentando eu ao poema de António Machado. E ao de cada um no seu próprio ritmo.

6 comentários:

Laura disse...

Pertinente...
Não conhecia a frase de Mizoguchi, mas é simplesmente soberba, no contexto e em tudo na vida.
A alusão a Noronha da Costa também é uma bela metáfora. É que não é só o efeito da imprecisão do traço, que não nos deixa ver com nitidez.
É que por causa disso, somos impelidos a descobrir e então cada um de nós vê na tela aquilo que quer (ou que pode)...
Que o trabalhe compense e os "incómodos" decresçam nos trópicos para bem de todos... that's my wish! ;)

João Paulo Toledo disse...

Interessante e de sagacidade única esta sua visão de tudo isso que serão os primeiros vinte anos deste lado de cá. A paisagem emotiva do meu filme por vezes vai um pouco adiante, para além das terras do fim do mundo. Aproveite e dê uma olhada em outras cenas deste mesmo roteiro (digno de Kafka).
Um abraço,
João Paulo.
www.angolajpt.blogspot.com

yes! my love! disse...

:)

ao ler o título que deu ao post, apeteceu-me logo responder-lhe ao som de

http://br.youtube.com/watch?v=wV5k3zjSifI

e depois a poesia de António Machado ~~

e ainda a pintura de Noronha da Costa ~~

e ~~ bom, achei que talvez não merecesse tanto, a não ser que fosse tudo a sonhar :)

mas também já era muito tarde, estava exausta, e há dias em que nada me parece muito real ~~

hoje, voltei mesmo só para agradecer o post, e já agora todos os bons momentos que a leitura deste Blog já me proporcionou ~~



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Era um menino a sonhar
com um cavalo de cartão.
O menino abriu os olhos
e não vui o cavalinho.
Com um cavalinho branco
ele voltou a sonhar;
pelas crinas o prendia...
Assim não te escaparás!
Mal o conseguiu prender,
logo o menino acordou.
Tinha a sua mão fechada.
O cavalinho voou!
O menino ficou sério,
pensando não ser verdade
um cavalinho sonhado.
Já não voltou a sonhar.
E o menino fez-se moço
e o moço teve um amor,
e dizia à sua amada:
Tu és de verdade ou não?
Quando o moço se fez velho
pensava: Tudo é sonhar,
o cavalinho sonhado
e o cavalo de verdade.
E quando chegou a morte,
o velho ao seu coração
perguntava: Tu és sonho?
Quem saberá se acordou!

( António Machado )

Roberto Ivens disse...

Laura,

"Difuso" is the word...

Roberto Ivens disse...

YML,

Fico gratificado com isso.

Roberto Ivens disse...

JPL,

Gostei e prometo ir lá espreitar mais vezes...