domingo, 16 de novembro de 2008

Carrinhos de choque

Desde o início da minha estadia aqui que me tenho recusado a conduzir. Por assumidamente não conseguir fazê-lo neste carrocel de carrinhos de choque que é o trânsito de Luanda. Com toda a certeza, o único local do mundo onde é proibido que os automóveis circulem sem um único risco na pintura, ou um mínimo de três amolgadelas na carroçaria, ou a falha de pelo menos um dos espelhos retrovisores, ou qualquer uma das duas chapas da matrícula, onde faltam quase sempre ou um número ou uma letra, ou o pára-brisas estilhaçado em pelo menos dez por cento da superfície, ou uma das janelas tapada por um plástico preto, ou um dos pára-choques fracturado, embora colado nas pontas por uma fita-adesiva que tem uma côr diferente da da carroçaria, ou qualquer um dos tampões das jantes, quando existam tampões, ou quando existam jantes, ou qualquer uma das luzes alaranjadas que sinalizam as travagens, quando não são as brancas da marcha-atrás, ou as dos piscas, ou quando sinalizam mudanças de direcção, quando há alguma direcção, ou quando simplesmente existam luzes, de dia ou de noite, ou desviar das motos que apitam no meio do caos, como se anunciassem a chegada de uma avalanche, quando não circulam em sentido contrário, ou quando galgam dos passeios, ou simplesmente do nada, ou estancar perante a chegada monárquica das carrinhas dos candongueiros, antênticos Hell Angels do trâfego de Angola, por onde há sempre um trilho a seguir, por isso o seguem, mesmo que por fora da estrada, ou talvez por isso mesmo, porque ainda que se diga que não encartados, seriam vencedores de qualquer rally urbano no mundo, ou, finalmente, conduzir com o braço esquerdo de fora, a reluzir o relógio ou a pulseira dourada comprados meia hora antes nos semáforos do largo do Kinaxixi, onde todos os automobilistas de Luanda se costumam reunir, geralmente ao fim da tarde, para se presentearem uns aos outros com festivos toques de buzina misturadas com carícias de pára-choques, quando não de chapas batidas, enquanto compram maços de cigarros nas tabacarias ambulantes, ou o pão fresco que ficou desde a manhã a suar nos sacos de plástico dos vendedores de rua, numa confraternização a que eu assisto, obrigado, tal como a não poder conduzir nesta Luanda.

1 comentário:

F. disse...

sua descricao eh perfeita (desculpe a falta de acentos, estou num teclado analfabeto em portugues).