terça-feira, 18 de novembro de 2008

A lei da gasosa

Uma manhã de sábado e uma tarde de domingo a conduzir e ser parado três vezes e meia pela polícia de trânsito de Luanda será obra. Ou muito empenho na gasosa. Afinal, o que tem de especial um jipe cinzento metalizado por tantos riscos, com uma letra a querer soltar-se da matrícula, o guarda-lamas amassado a atestar tantas entradas gloriosas em rotundas e retrovisores e faróis milagrosamente en su sítio, senão o facto de ser conduzido por dois brancos com aspecto de entradotes e, quem sabe, com a carteira recheada de kuanzas, quiçá até dólares? Curiosa a forma como, nestes casos, se portam os agentes das forças-da-lei. Que é como por aqui chamam aos polícias de trânsito. Apresentam-se aos automobilistas a levar a mão enluvada até à altura da orelha, a gozar uma continência, voz e gestos lentos, a manear as ancas à John Wayne, coldre ocupado pelo livro das multas e olhar tão vago quão displicente para o exterior do automóvel, como quem procura um primeiro substantivo para iniciar o texto do relatório que precederá a multa, ou a ameaça dela por bem mais lucrativa. Os documentos da viatura, nem sei se por favor. Chatice. Não os temos, algum colega lá da empresa foi autuado antes e ter-se-á esquecido de levantar os documentos logo após a liquidação da multa. Porra e então agora? Eh pá, calma lá, se o gajo se está a atirar à gasosa vai ter de suar por ela, afinal hoje até é sábado, temos tempo, vamos lá dar-lhe uma banhada. Ah ganda tuga! Resultou. Afinal, um branco com aspecto de já entradote, com uma carrada de papéis na mão, a brami-los à vez após cada nova pergunta, acabaria por cansar o agente. E certamente a fazê-lo pensar que não faltariam outros brancos com aspecto de já entradotes a quem bem poderia depenar uma gasosa sem ser obrigado a tanto esforço para lhes tentar perceber o linguajar. À segunda paragem, durante a noite, nova lenga-lenga vitoriosa sobre uma-multa-que-já-está-paga-mas-os-documentos-só-os–podemos-levantar-na-próxima-segunda-feira, com a novidade de agora haver um farol que não acende. Ai sim? Ora diga lá qual deles? Bora lá ver então! O quê? Ai há bocado estava apagado? No domingo de manhã, certamente que após a promoção por todas as esquadras de Luanda do concurso Quem Será Capaz De Cravar Uma Gasosa Aos Dois Tugas Com Aspecto De Já Entradotes Que Andam Para Aí A Pregar Uma Lenga-Lenga Sobre Uma-Multa-Que-Já-Está-Paga-Mas-Os-Documentos-Só-Os-Podemos-Levantar-Na-Próxima-Segunda-Feira, nova paragem. Só que este, mesmo que avisado do concurso, não parecia ter tido a sapiência de ler as regras. Resultado, mais um patinho fardado. Mas logo uns quilómetros a seguir à terceira paragem, surge a meia. Só que já enebriados pela inimputabilidade ante a polícia de trânsito angolana, que calça luvinhas brancas roubadas dos cartoons da Disney, nem parámos, deixando o homenzinho de braço no ar, a bufar no apito com a sofreguidão de um asmático e finalmente a gesticular no nosso retrovisor, cada vez mais pequeno, pequenino, tão insignificante quanto a natural propensão para afundar mágoas na gasosa.

1 comentário:

Afonso Loureiro disse...

O jogo da paciência é um dos meus preferidos nestes casos.
A melhor partida terminou quando o Sr. Agente me perguntou se eu sabia onde tinha sido assinada a Convenção Internacional de 1949 (a que vem na carta de condução)... quase me multava por ignorar semelhante facto. Mas como ele também não sabia...