quinta-feira, 30 de abril de 2009

Roupa suja

Há já vários dias que a hóspede sul-africana não falava com a empregada angolana. Também, porque não sabia português, numa ignorância contra-linguística mutuamente correspondida. Diálogo de mudas, portanto, antes do tuga, who else, meter o bedelho. Para a sul-africana, era inconcebível que a empregada lhe alterásse os programas da máquina de lavar-roupa. Para a angolana, rodar o manípulo sempre que a máquina parava visava forçá-la a retomar a lavagem. Deste lado, a ignorância sobre o funcionamento dos ciclos de uma moderna máquina de lavar-roupa. Do outro, a ignorância sobre os propósitos de uma simples ajuda, ainda que tosca. Pelo meio, recriminações mútuas de racismo. Há quem chame a isto conflito cultural. Estou mais inclinado a chamar-lhe falta de bom-senso.

segunda-feira, 27 de abril de 2009

O triunfo dos porcos?

Um casal beija-se no centro histórico da Cidade do México, com máscaras para evitar a gripe suína. Foto Alfredo Estrella/AFP - via JN


domingo, 26 de abril de 2009

Quarteirão de Abril

No 25 de Abril de 1974 estava no liceu. Os zunzuns de uma revolução em Lisboa fizeram-me temer por um irmão mais velho que nessa altura fazia recruta na base do Alfeite. Para logo depois me deixar entusiasmar pelo que me diziam ser de celebrar. De imediato, que o meu irmão já não corria o risco de ir combater para um local que diziam ser nosso mas que, lá por casa, ninguém conhecia. A seguir, fui acreditando que tudo aquilo que ia acontecendo era tão rejuvenescedor quanto o sentido do meu próprio crescimento. Depois, passei a ficar carregado de dúvidas. E até acabei por pôr os pés em África. Quanto à Revolução dos Cravos, consta que têm havido disputas entre os mordomos do Parlamento para que a flor não perca a côr original, pelo menos, no dia das comemorações anuais. E, num restaurante daqui, pareceu-me ter visto pela RPT Internacional um deputado a chorar enquanto lá discursava. Mas já não consegui perceber muito bem porquê. Se calhar foi da distância.

sábado, 25 de abril de 2009

Anopheles

Hoje, Dia Mundial da Luta contra a Malária, sei, finalmente, o nome do meu maior inimigo. Anopheles. Tem nome de guerreiro, ou filósofo, ou, simplesmente, político, grego, egípcio, talvez, também, fenício, embora toda a gente por aqui saiba que não passa de um merdas qualquer. No entanto, continua a ser o mais implacável exterminador de vidas humanas em Angola. Só em 2008 matou 9.300.

Voos ao domicílio

A TAAG está proibida de efectuar directamente voos para a Europa, pelo que tem os seus aviões tripulados por pilotos de outras companhias. O que é uma pena. Acabo de saber que tinha hipóteses de, um dia destes, ter viagem directa de Luanda para o Porto.

Pepe Loco

Após o belicismo destas imagens, fico com a certeza de que, se fosse sócio do Real Madrid, exigiria que este Pepe, dito futebolista do clube espanhol, fosse de imediato despedido da equipa. Como não sou, fico na expectativa de que, pelo menos, seja expulso da selecção nacional portuguesa.

sexta-feira, 24 de abril de 2009

Macas & marquesas

Brown chair - David Miller
Passadas duas semanas, aterrar em Angola é como regressar a um covil donde se espera poder continuar a disfarçar um permanente estado de infelicidade latente. A provocada pelo que, mais uma vez, se deixou para trás e a que insiste em voltar a deparar-se-nos pela frente. Algures na penumbra desta sandwich de sensações, há o barbitúrico efeito dos noticiários da RTP Internacional e dos seus cortejos de desempregados, fundo-desempregados, mal-empregados, desempregados-semi-pensionistas, colarinho-desempregados, pensionistas-empregados e toda a sorte de actuais e futuros lay-offers, numa letargia de ilustrações que jorram do ecran a conta-gotas, em news a cada dia mais velhas e menos aguadas, antes areadas como saídas de um poço prestes a secar, as quais, bem mais que o postar neste blogue, me têm ajudado a salvar da marquesa do psicanalista. Então… qual é a maca?

sexta-feira, 17 de abril de 2009

Mentes brilhantes para exportação

Desde que haja construção haverá sempre desenvolvimento, declarou um obscuro director comercial e principal candidato a ministro das Obras Públicas no próximo governo português, actualmente exilado em Angola mas já a pensar no programa ministerial aquando do regresso à mãe-Pátria, o que inclui a construção do futuro TGV, do novo aeroporto de Lisboa, da terceira ponte sobre o Tejo, da quarta sobre o Douro, de meia dúzia de IP's para as moscas poderem passear ao fim-de-semana e de mais umas quantas vias de cinturas, internas, externas e assim-assim, para que o país possa golpear-se em certeiros flic-flac's de cimento rumo ao tão desejado desenvolvimento.

terça-feira, 14 de abril de 2009

Vá para fora cá dentro

Em viagem recente a Cabinda, a inconveniência da recordação da frase-tipo do turismo interno português que titula este post tornou-se perceptível logo à chegada ao aeroporto doméstico de Luanda. O voo, marcado para as 10h da manhã, havia passado para o meio-dia sem qualquer aviso prévio. Uma interrogação tuga junto de cinco funcionários displicentemente alojados num cubículo que albergava também uma secretária e duas cadeiras e cujo arquitecto certamente idealizara para recolher baldes, vassouras e esfregonas, teria direito a um lacónico mas esclarecedor «porque não há avião». Em meu redor, o que momentos antes era fila para o check-in transformara-se num tranquilo amontoado de malas sentadas por passageiros esclarecidamente dispostos a ali passarem duas horas de suculento dolce far niente. No regresso a Luanda, dois dias depois, Dia do Pai e véspera da visita do Papa a Angola, o reconfirmado voo das 15h respeitaria os atrasos do costume. 15h15m. 15h30m. 15h45m. 16h. Ouvi alguém a meu lado, certamente candidato a vidente, bufar que o avião, se calhar, «atrasou-se ao sair de Luanda». 16h15m. 16h30m. Por esta altura o vidente aperfeiçoava a técnica, «se chegar aqui muito tarde pode já não levantar porque este aeroporto não tem luzes na pista». 16h45m. 17h. 17h15m. A partir daqui, as preocupações dos restantes passageiros, na sua maioria, aparentemente, peregrinos de Bento XVI, sintonizaram-se com as do vidente, estranhando que o mais moderno aeroporto regional de Angola não possuísse ainda luzes de sinalização na pista. 17h30m. 17h45m. Daí a pouco um avião da TAAG aterraria, indo desaguar mesmo junto às montras da sala de embarque, onde cerca de cento e cinquenta pares de olhos, sem contar com os das bagagens, já vigiavam as saídas dos passageiros e das malas que gostariam de revezar, entre o impaciente e o expectante de que essa muda se fizesse antes do ameaçador pôr-do-sol. Logo a seguir, como que para manter acesa a chama da esperança, os altifalantes do aeroporto alumiaram. «Senhores passageiros do voo para Luanda, queiram dirigir-se para a porta de embarque», o que rapidamente provocou a formação de uma fila... enfim, angolana. Mas o relógio pareceu continuar surdo. 18h. 18h15m. 18h30m. Um pouco antes das 18h45m surgiu à porta de entrada, vindo da pista, um sujeito a anunciar que «o avião levanta amanhã às 5h da manhã». Depois disto, aconteceu algo absolutamente extraordinário. Em menos de três minutos, 95% dos passageiros abandonaram a sala de embarque do aeroporto, não se incomodando em saber das razões para o cancelamento do voo que haviam comprado ou, sequer, em reclamar, exigir, insultar, pontapear, esmurrar, quiçá, garrotear, como antigamente se fazia e modernamente por vezes apetece, o mensageiro daquela desgraça. Seria, então, a um pequeno grupo de inconformados expatriados e quadros superiores de um ministério de Luanda que o mesmo corajoso controlador de voo do aeroporto, substituindo-se à tripulação ignorante da Convenção de Varsóvia, acabaria por justificar, ao fim de meia hora de contactos telefónicos, que «a senhora directora regional da TAAG não tinha instruções» para custear as despesas de hotel dos passageiros que teriam de pernoitar em Cabinda. Logo saltaria da tampa tuga uma sugestão de placard para o turismo interno angolano. Vá para o inferno cá dentro.

sábado, 11 de abril de 2009

Redacção sobre a Páscoa

Quando era miúdo detestava a Páscoa. Pelo cheiro a hóstia que parecia apoderar-se das pessoas, nas ruas mas também em casa, pela exibição non-stop de missas na TV, prolongada por transmissões directas e em latim do Vaticano, pela troca das valentes matinées de coboyadas por piedosos filmes italianos sobre os últimos dias de Jesus Cristo, em que até o carrasco chorava a meio das vergastadas, pela obrigação de comer peixe com amêndoas durante a sexta-feira santa e, basicamente, por me serem impostas nesse período regras, especiais face aos restantes dias do ano, que me eram incompreensíveis e causavam desconforto. Desde logo, a obrigação de escolher roupa nova. Agora, compreendo melhor que, vindos do Inverno, a chegada à Primavera convide à renovação de muitas coisas, inclusivè, de agasalhos. No entanto, o que poderia ter de atractiva uma ida às compras na pré-história dos shoppings dissipava-se rapidamente quando se chegava ao fatídico acto das escolhas finais. Ter dez ou doze anos e a mãe ao lado a organizar uma equipa de jurados entre os outros clientes da loja para me convencerem de que aquela camisa cheia de cornucópias e com uns colarinhos que chegavam às orelhas me ficava a matar, para além de que seria um óptimo substituto para a t-shirt coçada que levava grudada ao corpo, ainda se mantém hoje como uma recordação bem deprimente. Curiosamente, nos tempos mais recentes, finalmente tesoureiro de uma família com três mulheres, não deixo de me rever no espírito pret-a-porter da quadra, embora mantendo a azougada memória herdada da infância que me permite ser implacável a partir do terceiro ou quarto «este vestido é tão lindo, papá!» Um outro trauma vem do contexto de religiosidade bafienta em que a Páscoa se desenrolava e que originava que as duas semanas de férias de escola se transformassem quase automaticamente em frequências de igreja. A anormal concentração de missas, catequeses, confissões, vias-sacras e procissões obrigavam a uma inaudita memória para se decorar a cor das roupas dos padres ao mesmo tempo que tentava compreender como é que o meu parceiro de bilhar havia conseguido meter a preta a uma só tabela. Fugir a assistir a, pelo menos, uma via sacra durante este período era uma tarefa heróica porque as mães tendiam a julgar que só assim poderiam livrar os filhos de todos os pecados mortais originados pelos alternativos jogos de matraquilhos e snooker, pelas sangrentas e bem mais animadas matinées no cinema ou pelas futeboladas de mercurocromo jogadas no pelado de saibro do adro da igreja. Lembro-me que o castigo divino provocado pelo pecado da ausência a uma via-sacra era mais ou menos equivalente ao de apalpar as colegas durante a catequese. Mas o supremo clímax pascal dava-se após a procissão nocturna do Senhor Morto, quando o silêncio acusador de um cortejo de homens vestidos de roxo, encapuzados e armados de archotes, passando por entre filas cerradas de beatas que empunhavam terços e rezas, era interrompido pelo assustador barulho das racas de pau que me acordavam dos pesadelos onde eu me debatia com Judas Iscariotes, Pilatos, uma porrada de judeus, romanos, fariseus, escribas, centuriões e toda a sorte de demónios que tinham, nessa altura, o vício de se reunirem debaixo do meu travesseiro.

quarta-feira, 8 de abril de 2009

Não há duas sem três

O terceiro caso de assédio, provado, de que fui vítima em Angola ocorreu, muito provavelmente, em Cabinda, numa estadia programada para dois dias mas prolongada, por imposição da TAAG, cada vez mais agente promotor do turismo interno angolano, por mais um. Durante a noite, o tão temido barulho dos voos rasantes dos meus carrascos alados, a que costumo ripostar com cegos golpes de palma aberta sobre as orelhas atacadas, acordou-me por diversas vezes, obrigando-me a erguer da cama para encetar um bailado de pugilista sonâmbulo, a distribuir upercuts sobre todas as pintas existentes nas paredes e nos móveis que forravam o quarto do hotel. Pela manhã, bem que me pareceu notar sorrisos trocistas nos ferrões dos cadáveres dos dois pilotos que deixei esborrachados nos azulejos das paredes da casa-de-banho. Prenunciavam já, sei-o agora, mais uma noite de lasciva fecundação. «Um por campo» foi desta vez a sentença do juiz-de-bata-branca do costume, exactamente na véspera do meu regresso a Portugal. Por isso, conto agora vingar-me a dentadas de ovos cozidos em calda de cebola, devidamente salteados e pimentados, a amêndoas tiradas do arco-íris de taças que por aqui centram mesas, a vinhos que mudarão de cor e taninos consoante o que olhos e narizes pleonasticamente vêem e cheiram, a coelhos de chocolate de que não gosto mas ainda menos suporto fitarem-me firmes e hirtos nas suas enormes orelhas cobertas por papel prateado, a pão-de-ló recheado a LBV e a tudo o que saiba a exagero. No regresso a Angola, tenho a certeza de que vingarei com colesterol as próximas picadas.

terça-feira, 7 de abril de 2009

Post de uma morte (não) anunciada

No dia em que escrevi e pretendia publicar isto o Asus pifou. A partir do próximo mês de Maio, previsivelmente, este blogue extingue-se. Ao contrário do início, haverá que dar sentido a este final. Que melhor alibi para a mudança de armas e bagagens, de que tanto autor quanto blogue estão necessitados, do que uma nova aventura em África? Acabar a comentar títulos de jornais tem sido o estertor de muitos blogues em asfixia de densidade e também este parece não conseguir fugir à regra. Bora lá então à mudança, aproveitando a boleia da outra. Afinal, em ocasiões mimeticamente anteriores, uma nova aventura determinou um novo blogue. Daí que, após ano e meio a murmurar escritos nesta caixinha, prevejo silenciá-la a partir de Maio. Como comunicar no futuro, irremediavelmente não longínquo, logo se verá. Para já, fica apenas a insustentável percepção do presente. Como, desde que me internei em África, estou cada vez mais crente no acaso, decidi não levar a sério o que escrevi. Conto, então, continuar neste trilho até nova mudança de humor. Minha ou do sucessor do Asus.

domingo, 5 de abril de 2009

Selagens

Sócrates queria um selo com a sua foto para deixar para a posteridade o seu mandato no Governo deste país que está de tanga. Os selos são criados, impressos e vendidos. O nosso PM fica radiante! Mas em poucos dias ele fica furioso ao ouvir reclamações de que o selo não adere aos envelopes. O Primeiro-Ministro convoca os responsáveis e ordena que investiguem o assunto. Eles pesquisam as agências dos Correios de todo o país e relatam o problema. O relatório diz:"Não há nada de errado com a qualidade dos selos. O problema é que o povo está a cuspir no lado errado."

Chegou-me agora, pelo correio. Electrónico.

sábado, 4 de abril de 2009

Pif-Asus

Depois de o ter já ameaçado, o Asus pifou mesmo. Daí que, nos últimos dez dias, algumas novidades terão passado ao lado deste blogue. Por exemplo, a terceira confirmação do meu, tão fulminante quão preocupante, sex-appeal junto das mosquitas de Angola, o anúncio antecipado, mas não publicado, da morte deste blogue e, finalmente, o regresso a Portugal mesmo a tempo de assistir a outra propalada paixão, a de Cristo. Pelo meio, passaram ainda algumas outras águas de que espero poder pontear nos próximos dias. Num outro laptop perto de mim. Finalmente.