sábado, 17 de janeiro de 2009

Um grande romance

Angola tem tudo para grandes enredos romanescos. Um país que procura recuperar das suas duas identidades, da subalterna, tecida nas várias décadas da colonização e da autónoma, retalhada por trinta anos de guerra civil. Um povo de várias tribos que sempre mostraram fraca resistência à integração numa só, por obra e graça globalizadora de uma pequena esquadra de marinheiros tugas que por aqui amarou há séculos atrás. Um sistema político ocupado pelos vencedores das várias guerras, batalhas e guerrilhas em que o país se viu envolvido, algumas delas fomentadas por eles mesmos. Uma economia controlada pelos mesmos generais, políticos, praças e paisanos, que se viciaram em ocupar os tempos livres em jogos com regras cada vez mais parecidas com as do Monopoly. A extrema desigualdade entre as minorias, uma elite predadora de ricos, influentes e poderosos e o mais que maioritário cocktail de remediados, gasosados, pobres, analfabetos, miseráveis e tudo-junto. A posse de um maná muito procurado e de outros ainda escondidos ou inexplorados, que lhe tem permitido ocupar o espaço de um pequeno oásis de fartura num universo faminto e em reboliço. A invasão, nalguns casos ameaçadoramente gulosa, de gente dos quatro cantos do mundo, trazendo na bagagem hábitos, ritmos e perspectivas de vida pertencentes a um século que por aqui nunca passou. Os caldos, de pedra, de carne, de letras, de todas estas vivências e percursos, paralelos, transversais, oblíquos, que acabam por entrecruzar as pessoas e as suas expectativas, sonhos, afectos. E os sucessivos cortes no tempo e no espaço que tudo isto provoca nas vidas e nos destinos destes personagens em potência, que somos afinal todos os que por aqui andamos, que habitam este romance ainda não escrito, por aguardar alguém que traga no olhar a sagacidade de sentir este enredo e o saiba afiar na pena.

2 comentários:

João Paulo Toledo disse...

Olha que a resenha da orelha do livro acabou de ser escrita.

abraço,
JPT.

Roberto Ivens disse...

JPT,

Bondade sua, meu Caro! E ainda por cima não sou apresentador de telejornais...